17o. Tiradentes (2014) – premiação
Um tigre feroz em Tiradentes
Por Luiz Joaquim | 03.02.2014 (segunda-feira)
Não é preciso ter receio ao afirmar que esta 17ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes reuniu uma das mais instigante, provocativa e inventiva seleção de longas-metragens para o programa Aurora. Nela, sete títulos concorreram ao troféu Barroco, cuja premiação foi anunciada sábado, consagrando o mineiro “A Vizinhança do Tigre”, de Affonso Uchoa.
O “Tigre” do título serve como referência à força dos jovens Juninho, Menor, Neguinho, Adilson e Eldo diante das adversidades socias no pobre bairro Nacional, periferia de Contagem (MG), onde vivem estes garotos – personagens de si mesmos no filme – e o próprio Uchoa.
Por nos colocar – sempre com muito humor, mas também melancolia – extremamente próximos e de forma quase invisível no dia-a-dia desses jovens que se dividem entre a brincadeira de rua, o trabalho, o crime e as drogas, “A Vizinhaça…” surgiu na Mostra como o filme mais firme e coerente em seu discurso. Aliado a isso, está lá uma construção plástica bela, particularmente pela consistência de sua câmera discreta.
Com a contemplação concedida pelo júri da crítica (e também pelo “júri jovem”), a produção de Uchoa recebeu ainda o prêmio Itamaraty de R$ 50 mil e serviços gratuitos de cinema para produção de uma nova obra.
A competição, entretanto, não foi fácil – o que enriquece o valor do prêmio para o “Tigre” – quando levamos em conta “Aquilo que Fazemos com Nossas Desgraças”, de Artur Tuoto, “Batguano”, de Tavinho Teixeira, e “Branco Sai, Preto Fica”, Adirley Queirós.
Este último também foi dupla e igualmente lembrado pelo júri oficial e pelos estudantes da oficina de crítica da Mostra com uma Menção Honrosa. Já premiado em Tiradentes em 2012 com “A Cidade É uma Só?”, Adirley reafirma agora seu talento ao criar o docficção-científica “Branco Sai…” um universo paralelo no qual um viajante do futuro (Dilmar Durães) vem à Ceilândia (DF) do presente para restaurar uma injustiça do passado.
A injustiça foi a real invasão truculenta que a polícia fez nos anos 1980 ao baile black “Quarentão”, que entre os saldos da brutalidade deixou os então adolescentes Marquim, Sartana, respectivamente, de cadeira de rodas e amputado da perna esquerda.
Ao mesmo tempo, seguindo com as dificuldades da amputação física e cultural sofrida no passado e no presente, os dois mutilados juntam forças e criam uma espécie de bomba atômica a base de black music e tecnobrega, aqui representada pela ótima “Dança do Jumento”.
Não apenas pelo seu criativo roteiro, “Branco Sai, Preto Fica” é igualmente genial na sua concepção fílmica. A dosagem certinha entre humor e indignação social faz dele um filme obrigatório para o Brasil ver e repensar alternativas a um particular discurso cinematográfico e também injustiças sociais.
JÚRI – Os jurados oficais do programa Aurora foram Beatriz Furtado, professora (CE); Milton do Prado, crítico e professor (RS); Rubens Machado Jr, professor e pesquisador (SP); Julio Pessoa, crítico e professor (MG); e Luiz Alberto Rocha Melo, crítico, professor e pesquisador (RJ).
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