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Reportagens

E du ar DOR…

Morte de Coutinho deixa nosso cinema mais pobre

Por Luiz Joaquim | 04.02.2014 (terça-feira)

Não. Numa tentativa institiva de negar talvez a maior tragédia que pode acontecer a um homem – morrer pelas mãos do próprio filho -, a negativa é a primeira reação que surge quando recorda-se da barbárie que sofreu Eduardo Coutinho (1933-2014) na manhã de domingo (2), assassinado a facadas em casa por Daniel Coutinho, 42 anos. Esquizofrênico e acometido por um surto psicótico, Daniel disse aos vizinhos, logo após o crime, ter “libertado” seu pai.

A “liberdade” a que ele se referia colocou centenas de milhares de admiradores do diretor de “Cabra Marcado para Morrer” dentro de um prisão de incompreensão. Diante da notícia, a confusão na cabeça de todos que trabalham com cinema no Brasil é óbvia. A dificuldade não está apenas em associar tamanha brutalidade ao mais importante documentarista de País. Mas em associá-la ao homem Eduardo Coutinho.

Na verdade, o cineasta só possuía o respaldo como referência máxima ligada ao documentário no País exatamente por ser a figura generosa, ética e respeitosa com seus personagens. Como um incansável e delicado caçador dos mistérios que impulsionam a alma humana a seguir adiante, Coutinho separava as “pessoas” de “personagens”. Dizia que era responsável por todas as pessoas que entrevistava.

“Entrevista”, à propósito, não era um termo que usava. Coutinho dizia que conversava com as pessoas. A proximidade física, o olhar no olho, e sua capacidade de deixar seu convidado absolutamente a vontade para lhe entregar (e à sua câmera) seus mais íntimos e valiosos segredos, davam a impressão de um cinema fácil. Tal ilusão – da facilidade – logo criou imitadores no ambiente do documentário nos anos 2000.

Não demorou para estes lograram a decepção de perceber o quanto estavam enganados, isto porque, dizia Coutinho, é preciso muito rigor para não tomar nada como fortuito ou leviano ao decidir contar a história de um pessoa.

Certa vez lhe pergutaram por que não descrevia em livro o método que usava em seus filmes. Com seu habitual e divertido mau-humor, respondeu que isto não faria o menor sentido uma vez que o que importa é não como filmar, mas porque filmar. Em entrevista no Cine Ceará, quando homenageado em 2011, Coutinho sabia porque seguia adiante, reinventado-se a cada novo projeto.

Ele falou, na ocasião do ainda inédito “As Canções”, que ao pesquisar personagens para tal filme, viu na sua frente a reprodução daquilo que já conhecia das tragédias gregas. Tudo, na vida dos homens, se resume ao amor e à morte. À propósito da morte, agora o Brasil está mais pobre. O espírito humano perdeu seu mais valioso porta voz no cinema.

<depoimentos

Cláudio Bezerra, professor
“Para todos nós ele foi, quer dizer, é um mestre em todos os sentidos. A perda em si já seria cruel, mas da forma como aconteceu é muito chocante. Ele era o mais inquieto, o mais inventivo, o mais produtivo documentarista brasileiro. Para mim, pessoalmente, foi a perda de um amigo. Estive com ele no início do ano passado para a produção de um extra do DVD do “Cabra…”, que será lançado em março, no qual ele reencontra Elizabeth Teixeira e seus filhos no Paraíba. Ele estava entusiasmado e planejávamos fazer um lançamento com sua presença no Recife”.

Marcelo Pedroso, cineasta
“O que pessoalmente mais me emocionou na obra de Coutinho não foi o novo horizonte documental que ele desenhou em “Cabra Marcado para Morrer” nem a delicadeza dos encontros que ele conduziu ao longo dos vários outros filmes que dirigiu. O que mais me emocionou foi a reinvenção do cinema que ele promoveu em “Jogo de Cena”. É um filme fundamental e coroa uma obra inteira, mas também dispõe de verdades, enigmas e mistérios que nos revelam de que é feito o cinema em sua essência. com esse filme, Coutinho podia ter se aposentado coberto de louros. Mas ele continuou, continuou e continua”.

Celso Marconi, crítico de cinema
“Conheci Coutinho aqui no Recife, antes da produção das filmagens do “Cabra…”, nos anos 1960. Ficamos amigos, conversávamos muito. A última vez que o encontrei foi em 1996, num festival em Salvador. Ligado ao Cinema Novo, foi um cineasta que não ficou parado numa determinada forma de fazer filmes. Buscava sempre renovar esta forma. Ele criava ficção. Lendo agora -O Futuro Chegou-, de Doménico De Masi, lembro que bons cineastas não criam histórias, criam estilo. Coutinha tinha estilo. As pessoas podem se inspirar nele, mas ninguém poderão fazer igual”.

Coutinho – FRASES

Autoria cinematográfica
“Para mim é como o sexo dos anjos. E não é falsa modéstia nem frescura. Mas penso, e isso é contraditório, que todos os filmes compõe no conjunto uma obra, o que já é também altamente arrogante. Isso me basta. A vida é curta, e já está grande demais”.

Documentário
“É apenas um filme não-cinematográfico que aceita e incorpora a ficção sentimental, sem a qual não vivemos, nem mesmo um critico francês”.

Talento
“Se há algum talento em mim, é o de estabelecer um diálogo. O que há de difícil é saber qual a distância. Não ficar muito junto demais, não ficar muito longe. Estar presente, estar ausente. E não julgar. Muito menos a estética. Esse troço é complicado, e não dá pra por num livro”.

Filmografia (diretor)

“O ABC do Amor” (1967)
“O Homem que Comprou o Mundo” (1968)
“Faustão” (1971)
“Seis dias de Ouricuri” (1976)
“Theodorico, Imperador do Sertão” (1978)
“Exu, uma tragédia sertaneja” (1979)
“Cabra Marcado para Morrer” (1964-1984)
“Santa Marta, Duas Semanas no Morro” (1987)
“Volta Redonda, Memorial da Greve” (1989)
“O Fio da Memória” (1991)
“Boca de Lixo” (1992)
“Os Romeiros de Padre Cícero” (1994)
“Santo forte” (1999)
“Porrada” (2000)
“Babilônia 2000” (2001)
“Edifício Master” (2002)
“Peões” (2004)
“O fim e o princípio” (2006)
“Jogo de cena” (2007)
“Moscou” (2009)
“Um dia na vida” (2010)
“As canções” (2011)

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