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Críticas

Laranja Mecânica

Espremido como uma laranja

Por Luiz Joaquim | 07.02.2014 (sexta-feira)

O que ainda dizer de uma obra-prima do cinema que traz consigo mais de 40 anos de fortuna crítica mundial? Muito. Mesmo porque “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange, EUA/GB, 1971) de Stanley Kubrick (1929-1999) – que volta a entrar em cartaz no Recife pelo Cinema da Fundação Joaquim Nabuco – é um primor exatamente por conter em si aspectos temáticos e estratégias cinematográficas que estão além de um tempo específico. É uma obra atemporal e universal, como deve ser todo bom clássico.

Do ponto de vista temática, a trajetória do personagem Alex (Malcolm MacDowell) – oriundo do romance de Anthony Burgess – só melhora à medida em que o mundo envelhece, permitindo olharmos para nós mesmo em nossas ambiguidades como homem, ser político e social.

Antes de comentar, vale a pena resgatar seu enredo. Estamos num futuro indefinido. É uma sociedade desolada e brutal na qual a juventude ataca, estupra e mata por diversão – o que, infelizmente, soa familiar no noticiário das tevês em 2014. Um de seus líderes, Alex, acaba ficando sob o julgo do Estado e passa por um tratamento pelo qual sofre uma lavagem cerebral, condicionando-o a ter repulsa por qualquer tipo de violência.

A estrutura do livre-arbítrio é o alicerce aqui nessa fábula medonha. Para começo de conversa, Kubrick não se inibi em construir seu Alex num alta potencialidade de agressividade humana. Desonerado de culpa, nosso herói é livre de qualquer forma de civilidade tradicional, obedecendo apenas aos seus instintos naturais que, como bom mamífero, inclui tomar seu leitinho diário.

Com a intervenção do Estado e por meio de um tratamento a partir da cartilha do fisiologista russo Pavlove (1849-1936) – para condicionar o comportamento humano -, Alex é “curado” de sua agressividade mas, ao mesmo tempo, torna-se totalmente vulnerável a qualquer tipo de violência social.

É por aí que “Laranja Mecânica” cresce, pois privando Alex de seu poder natural de escolha – o que inclui ser bom ou mau em situações específicas – o filme ironiza a ideia da “natural” bondade humana. Uma vez que vivemos numa sociedade baseada no poder, este “natural” bom homem iria tornar-se uma marionete, seja pelo assédio do demagogos da direita ou subversivos da oposição no filme.

Como se não bastasse ser o belo exemplar de reflexão social que é, Kubrick faz de seu filme uma hipnótica estratégia narrativa cinematográfica, mesclando arte pop, Beethoven e o próprio cinema – o estupro da dona de casa diante de seu marido com Alex bailando e cantando “Singin in the Rain” (uma ideia, na verdade, de McDowell), por exemplo, já entrou para os anais do cinema.

Há anos transformado em ícone pop visual, o estilo de Alex e sua gangue é talvez o mais reproduzido em camisetas juvenis pelo mundo. Chegou a hora de alguns destes adolescentes, no Recife, verem pela primeira vez num cinema aquilo que cultuam em suas roupas. E por que “Laranja…” segue incomodando tanta gente até hoje? Porque, entre outras razões, numa brecha ou outra, conseguimos nos enxergar ali.

DITADURA – Por “sugestão” do governo militar dos anos 1970, a Warner Bros. foi aconselhada a não lançar “Laranja Mecânica” no Brasil. O filme só chegou por aqui em 1978, ou seja, sete anos após o lançamento original, e só por uma cópia que circulou no Japão, com bolinhas pretas cobrindo o sexo dos personagens nas cenas de nu e/ou sexo. Tal situação, cômica, é citada no filme pernambucano “Tatuagem”, de Hilton Lacerda (também em cartaz no Cinema da Fundação), pela personagem de Nash Laila.

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