Entre Nós
Filme põe em xeque a lealdade entre amigos
Por Luiz Joaquim | 27.03.2014 (quinta-feira)
Paulo e Pedro Morelli, pai e filho que assinam a direção conjunta de “Entre Nós” (Bra., 2014), em cartaz hoje, têm razão quando dizem que todos os adultos mentalmente saudáveis guardam alguma memória querida da adolescência ou do início da fase adulta. Aquele momento, precisamente, em que muitas das possibilidades para o futuro soam viáveis, bastando apenas, por essa perspectiva, um esforço para conquistá-las.
O contraste entre a inocência daquele momento e ceticismo que a vida impôs dez anos depois para Cazé (Júlio Andrade), Drica (Martha Nowill), Felipe (Caio Blat), Gus (Paulo Vilhena), Lúcia (Carolina Dieckmann), e Silvana (Maria Ribeiro) é exatamente o mote deste quarto longa-metragem de Paulo Morelli, sócio de Fernando Meirelles na produtora O2 Filmes.
Há ainda um sétimo personagem fundamental na trama, Rafa (Lee Taylor), cuja energia solar inspirava, em 1992, a todos neste grupo de amigos quando veraneavam numa paradisíaca casa de campo em São Francisco Xavier (SP). Neste primeiro tempo do enredo a duração é curta, mas competente o suficiente para entendermos que todos são muito interessados em literatura, e compreendermos a particular ligação afetiva entre Rafa e Felipe
Em 2002, todos, exceto Rafa, voltam a se encontrar no mesmo sítio para reler bilhetes que eles escreveram (e enterraram) no encontro anterior para abrirem no futuro. Todo o filme, a partir daí, segue nos apresentando estes personagens hoje, ou melhor, em 2002, com seus trinta e poucos anos, já carregando alguma marca não tão boa da vida.
O casal formado pela brincalhona Drica e o amargo crítico literário Cazé, são claramente apaixonados, mas seguem com suas tensões, querendo ela um filho enquanto o marido não. Já Lúcia e Felipe, também casados, são o exemplo do sucesso. Ele um escritor respeitado pelo primeiro livro, ela mãe de um filho e ainda mais radiante que quando mais jovem.
O contraste fica com os solteiros Silvana – a dona da casa, bem resolvida com sua sexualidade -, e Gus. Este último é o único com um evidente e sério problema de autoestima.
Resumido aqui o perfil de todos eles, vale destacar que dois principais aspectos fazem de “Entre Nós” um filme atraente e cativante. Além de mexer com o imaginário do espectador no assunto “o que, há dez anos, queríamos de nós mesmo para nosso futuro”, Paulo e Pedro construíram um roteiro fluído e contaram com atores extremamente afinados para dar corpo a ele.
Exceto pelos personagens de Maria Ribeiro e de Lee Taylor, todos os outros se parecem com alguém fácil de já termos cruzado na vida. Importante dizer que o descrédito para com Silvana e Rafa não diz respeito aos atores, mas ao fato deles terem pouco espaço na trama.
Curiosamente, a participação de Lúcia é tímida também, discreta. Mas Carolina Dieckman nunca esteve tão presente com tão pouco que lhe dão. A ela cabe trabalhar o silêncio, que ele aproveita magneticamente com seu olhar.
Vilhena também é um ator que aparece como figura fragilizada aqui. Ele é romântico e falho, coisas com as quais não se associa no histórico de papeis do ator. Ponto para ele que soube aqui vestir bem este perfil. Já Júlio Andrade e Nowill funcionam numa rara sintonia fina de atuação, tanto que suas performances renderam-lhe prêmios no Festival do Rio, ano passado.
Com a vivacidade e espirituosidade desse elenco, combinada à caprichada fotografia de Gustavo Hadba, e segura direção de Paulo e Pedro, “Entre Nós” nos dá um sopro de esperança no que diz respeito a boa construção de dramas de pessoas com quem possamos nos identificar, dentro da esfera do cinema nacional de produções endinheiradas.
PARTE 2 – Em entrevista coletiva em São Paulo, semana passada, diretores e elenco brincaram dizendo que, como seus personagens, cada um enterrou na locação um bilhete para si próprio abrir dali a dez anos. E não descartam a ideia de fazer uma sequência para “Entre Nós”.
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