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Entrevistas

Entrevista: Fátima Toledo

Fátima: Quando falam mal do trabalho, sorrio

Por Luiz Joaquim | 06.03.2014 (quinta-feira)

Aos 60 anos, Fátima Toledo é um nome mais que conhecido entre os profissionais e interessados por cinema no Brasil. A preparada de elenco descoberta por Hector Babenco, com quem trabalhou em “Pixote: A Lei do Mais Fraco” (1981), tornou-se a maior referência no País quando o assunto é desenvolver com atores profissionais e não-profissionais exercícios de interpretação antes do diretor do filme entrar em cena.

Mesmo com toda sua autoridade, Fátima já protagonizou polêmicas pela boca de alguns atores que criticam seus métodos, segundo eles, de uma rigidez desnecessária. Com mais de 40 filme no currículo. a preparadora esteve em Pernambuco por duas semanas trabalhando com o elenco do longa-metragem “Valeu o Boi!”, primeiro projeto ficcionalmente dramatizado por Gabriel Mascaro, que conta no elenco Juliano Cazarré e Maeve Jinkings, de “O Som ao Redor”.

No filme, Cazarré será o vaqueiro Iremar, e Maeve a caminhoneira Galega. As filmagens devem acontecer entre março e maio próximo em Bezerros, e outros municípios de Pernambuco além de Picuí, na Paraíba. Na entrevista abaixo, feita por telefone antes do Carnaval, Fátima falou do novo desafio ao lao de Mascaro, além de sua técnica e da polêmica em torno dela.

ENTREVISTA: Fátima Toledo

Como surgiu o convite para trabalhar o elenco de “Valeu o Boi!” ?
O Gabriel [Mascaro] me enviou um e-mail, daí marcamos um encontro no meu estúdio em São Paulo. Daí li seu roteiro e o achei simplesmente fantástico. E pensei, eu tenho de fazer isto. O olhar de Gabriel com relação à vida e às pessoas é incrível. Ele está colocando juntos atores e pessoas, vaqueiros, que nunca tiveram relação com o cinema para contracenar. Esta oportunidade que está dando para estas pessoas é incrível. O roteiro fala desse universo da vaquejada, que eu não conhecia muito. Nunca trabalhei nesse campo e é um grande aprendizado para mim também.

Já conhecia o trabalho de Mascaro? É a primeira vez que trabalha numa produção de Pernambuco? O que acha do cinema que é feito hoje no Estado?
Já tinha ouvido falar de Gabriel. Depois que falamos fui atrás de mais informações a respeito. E confirmei que seu olhar é aquele que estava faltando para o cinema brasileiro hoje. Nunca trabalhei com pernambucanos, mas já estive aqui envolvida no filme da família Shcurmann [“O Mundo em Duas Voltas”]. O cinema pernambucano hoje é o que eu gosto de fazer. Com depoimentos, com verdade, sobre a luta das pessoas. É um cinema preocupado com o nosso País, com a gente. É o cinema que acredito, que apesar de falar da vida cruel das pessoas, o faz de maneira poética.

Com quantos atores profissionais ou não você está trabalhando neste filme?
São três atores e três não-atores. Os conhecidos são o Vinicinho [de Oliveira], com quem trabalhei em Central do Brasil. Com o Juliano Cazarré, com que estive no 1º Tropa [de Elite] e no Assalto ao Banco Central. E com a Maeve Jinkings, com quem trabalho pela primeira vez e estou amando. Ou desconhecidos são o Josinaldo e o Carlos, dois vaqueiros da região, e uma criança de 10 anos.

Quanto tempo você vai trabalhar na preparação do elenco para o filme?
Eu estou com outros projetos além desse. Daí que antes da minha chegada, veio uma assistente e ela fez a preparação inicial. Daí cheguei dia 15 de fevereiro e volto e vou embora dia 28 [de fevereiro], mas minha assistente continua. Eu trabalhei fazendo os vaqueiros entraram no universo da cena fílmica. É um exercício de direcionamento.

Entre seu primeiro trabalho no cinema com “Pixote” para hoje, quais as principais diferenças?
Olha, tanta coisa. Mas a principal diferença sou eu mesma. O trabalho é muito reflexo de como eu estou no momento. Foram mais de 40 filmes e eu fui crescendo com o cinema. Meu trabalho amadureceu nesse trajeto.

Você já declarou que a pessoa que vai trabalhar com você precisa se livrar da vaidade. E vaidade parece ser algo intrínseco ao ator, como desconstruir isso?
Na verdade, atores e não-atores têm de trabalhar a generosidade. O ator tem que dar espaço para a pessoa que não é ator entrar no seu universo. E outro também dá seu frescor num set de filmagem, e isso rejuvenesce o ator. A vaidade não tem espaço aqui. Não deve caber no ator. Eu digo que quero que ele revele a pessoa, para daí revelar o personagem. Eu digo a eles que quero a pessoa e não o ator. Que quero a pessoa dentro de um universo ficticio que não é o dele. E esse universo ficticio é o cinema.

Lembra qual foi seu maior desafio ao longo de mais de 30 anos de carreira?
Nunca é fácil. Sempre tem um desafio. Ou é um ator resistente à entrega total, ou é o um não-ator com dificuldade de acessar a atmosfera do cinema. O que faço não é formação de ator. O que faço é guia-los no universo do filme. É fazer com que eles destruam os obstáculos que enxergam. Olha, pensando bem, o maior desafio é sempre aquele que estou fazendo no momento.

Alguns diretores e mesmo atores não concordam em trabalhar com preparadores de elenco? O que você diz quando escuta isso?
Ah, eu dou uma risada. Não me incomoda. O resultado está no filme. O trabalho está lá. O preparador é um colaborador. Ele não tira o lugar o diretor. Tem umas bobagens que são ditas a respeito do preparador que considero cafona. É um trabalho como o de qualquer outra área no cinema. O que acontece é a falta de entendimento sobre o assunto por algumas pessoas.

Tem algum profissional que gostaria de trabalhar?
Olha, eu sempre falo isso. E nem sei por onde ela anda. É a Ana Paula Arosio. Eu já falei tanto isso, e acho que um dia ela vai ler em algum lugar e acabar descobrindo (risos).

HISTÓRICO – Fátima Toledo nasceu em Maceió (AL) e começou nos anos 1970, dando aulas na Febem. Descoberta por Babenco, a preparadora trabalhou em filmes icônicos da contemporânea produção nacional, como “Central do Brasil” (1998), “Cidade de Deus” (2002), e “Tropa de Elite” (2007).

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