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Críticas

Ninfomaníaca – V. 1 e 2 (por Pedro Azevedo)

O didatismo cinematográfico

Por Luiz Joaquim | 28.03.2014 (sexta-feira)

Ao final de Ninfomaníaca Vol 2, não contente com suas constantes reiterações imagético-textuais, Lars Von Trier faz questão de parar tudo e recapitular a trajetória de Joe (Charlotte Gainsbourg) ao longo das duas partes do filme em um comprido recorte de acontecimentos-chave, metralhando significados a toda e qualquer ponta solta remanescente que pudesse dar margem de interpretação individual ao público. O enforcamento dos significantes vem acompanhado de uma cara lição aprendida durante as quatro horas (quando somados os dois volumes) assistidas: – Você (espectador) não está convidado a pensar sobre o que está assistindo -.

Fragmentado em oito capítulos, ao passo que é um filme sobre o passado, Ninfomaníaca é também um filme sobre o presente; o ato de narrar (atribuir significados aos símbolos), que se sobrepõe à narração, alimenta um ciclo vicioso de didatismo; a voz de Seligman (Stellan Skarsgard) é, portanto, a voz de Lars Von Trier. É possível acreditar então que o motor discursivo do filme se dê no campo do debate entre Joe e Seligman, no apartamento/palco no jogo cênico, reforçado pela estratégia quase teatral de dinâmica entre a câmera e os dois atores – diferente da fluidez estilizada da câmera nas cenas de flashback-.

Mesmo com o discurso psicanalítico atravessando todo o filme (quase que como um manual de instruções ilustrado), só há uma referência direta a Freud em Ninfomaníaca, quando em certa altura da narrativa, Seligman fala da natureza do perverso polimorfo. Não há dúvidas de que Joe conservara traços da perversão infante na idade adulta, desfrutando de prazer em várias zonas do corpo com múltiplos objetos (repito, manual de instruções ilustrado). O ponto de virada do jogo – e que intercede à crítica social de Lars Von Trier – acontece quando Joe descobre a insustentabilidade desse -tudo gozar- e parte em uma jornada de repressão e inibição dos seus instintos (castração simbólica?), um calvário à la a paixão de Cristo.

A exemplo do masoquista freudiano que desenha no imaginário a cena de violência e assume controle da tortura ao estabelecer uma posição sádica em relação ao próprio corpo, não tem como dizer que Joe é uma personagem passiva em relação ao mundo que a cerca, pelo contrário: ela sempre dispõe do poder, mesmo quando tudo indica o contrário; somando isso com as potentes atuações de Charlotte Gainsbourg e Stacey Martin, é de extremo desapontamento perceber os inúmeros contrassensos morais empunhados no discurso falado de Joe, asfixiado ainda pela constante e insistente auto-afirmação da imagem que reitera mais do que pontua.

Em Ninfomaníaca, o sexo é tão frio e matemático quanto o eruditismo calculado de Seligman. Especialmente na primeira parte, o gozo está mais concentrado no exercício do poder do que no ato em si, descambando para o grito de socorro do calvário da segunda parte. Sintoma apático de um filme que se encerra na exclusão do espectador e morre no meio do caminho entre o estudo de sua personagem central e a obviedade da sua lição de moral. O cinema autorreferente de Lars Von Trier é, aqui, quase um acerto de contas e pedido de desculpas; no meu caso, não aceitas.

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