Ouça bem
Simulando uma sala de cinema
Por Luiz Joaquim | 30.06.2014 (segunda-feira)
No início dos anos 2000 a acessibilidade da tecnologia para a captação de imagens no formato digital encurtou um longo caminho que o cinema feito em Pernambuco começara a percorrer dez anos antes daquele momento. Não era mais preciso recorrer ao aluguel no Sudeste de dispendiosas câmeras que filmavam em 35mm para captar por aqui imagens em qualidade razoável. Produzir e gravar imagens cinematográficas passou a ser algo mais palpável. Mas… e sua pós-produção?
Para o leitor leigo é importante saber que as imagens e os sons que são captados pelos equipamentos não são exatamente aqueles que vemos e ouvimos numa sala de cinema. A chamada pós-produção é exatamente o estágio onde o áudio e o vídeo são tratados de acordo com o interesse dos produtores/diretores para compor a identidade final de sua obra.
Foi preciso mais uma dezena de anos para vermos uma empresa privada fechar hoje este, digamos, ciclo de independência técnica do cinema que é feito em Pernambuco. Falamos do Estúdio Carranca, de Gera Vieira, Carlinhos Borges e Júnior Evangelista, que agora disponibiliza no mercado um novo espaço dedicado especificamente a pós-produção de som para projetos audiovisuais (não apenas cinema).
Batizado de Carranca Cine, a nova sala com cerca de 20 metros quadrados integra o Estúdio no bairro da Torre e simula a ambiência de uma auditório de cinema. A ideia era proporcionar aos produtores a mais próxima atmosfera que se experimenta numa sala real, com os mesmo aspectos sonoros da Dolby – empresa que define o padrão de qualidade de som nos cinemas do mundo inteiro.
“É a Dolby que praticamente define como escutamos o som no cinema. E é bom que haja essa definição, pois havendo um padrão estabelecido, podemos trabalhar sobre ele”, explica Gera Vieira.
Do ponto de vista da infra-estrutura, o Carranca Cine conta com uma pequeno projetor full HD, uma tela com dimensões aproximadas de 3,5 x 2 metros, três confortáveis poltronas e acústica correta. E se alguém abrir a boca para dizer que o espaço tem dimensões modestas, não poderá dizer o mesmo de seus equipamentos de reprodução de som.
Servida de amplificadores Crown, com um processador Dolby 750 (o melhor do mercado), caixas acústicas (subwoofer, frontal, laterais e surround) da marca JBL (a maior referência para cinemas), e a menina dos olhos de Vieira – um Pro-Tools redutor de ruídos -, o Carranca Cine supera a qualidade do áudio da grande maioria das salas comerciais de cinema no Recife.
A decisão em levantar um espaço como este surgiu pelo desejo de dar um passo a frente na qualidade do que o Carranca já vinha fazendo desde 2006. “Percebemos que o mercado local crescia e que os realizadores com quem trabalhávamos nos depositavam muita confiança. Daí veio a ideia de uma maior profissionalização, pensamento que compartilhamos inclusive com o Porto Mídia”, conta Vieira, referindo-se ao também estúdio Estatal de finalização audiovisual.
“Não teríamos levantado esse espaço se já não houvesse um reconhecimento por nossa experiência e credibilidade. Investir nessa estrutura para começar do zero seria muito arriscado. Demos passos seguros para chegar até aqui”, destacou Carlinhos, enquanto Vieira reconhece que o mercado ainda não é autossustentável. “Mas acreditamos nesse trabalho. Tudo é feito com muita paixão aqui”, encerrou.
A construção de um respaldo sonoro
“Lembro que, quando falávamos do trecho dublado que fizemos para [o curta-metragem] -Eisenstein-, de Tião [co-dirigido por Leonardo Lacca e Raul Luna], ninguém acreditava”. Quem recorda orgulhoso é Gera Vieira, do Estúdio Carranca, que até inaugurar sua Carranca Cine desenvolveu junto a sua equipe – que inclui também Carlos Montenegro e Catarina Apolônio – mais de uma dezena de trabalhos em pós-produção de áudio para cinema.
O curta citado acima, da Trincheira Filmes, foi um marco para o Carranca. “A partir daí, novos trabalhos foram surgindo e estes clientes replicavam seu contentamento a outros realizadores”, conta o especialista.
Vieira faz questão de contextualizar que durante esse longo processo de aprendizado, a troca de informações com gente como o técnico de som Nicolas Hallet, e os realizadores Gabriel Mascaro (“Um Lugar ao Sol”, “Avenida Brasília Formosa”), Marcelo Pedroso (“Balsa”) e Kleber Mendonça Filho (“Crítico”, “O Som ao Redor”) foi essencial.
“Todos eles sabem muito bem o que querem do som em seus filmes, ao mesmo tempo que sabem aceitar sugestões nossas. A experiência de mixar -Muro- (2008), de Tião foi interessantíssima. Kleber [Mendonça] trouxe o som já editado e trabalho juntos na mixagem”, garante o empresário.
Entre tantos e tão bons filmes pernambucanos no currículo, o Carranca já estica suas pernas também para fora do Estado. “Trabalhamos há pouco sobre um curta baiano que curiosamente também se chama -Carranca- [de Wallace Nogueira e Marcelo Matos de Oliveira]”. E destaca: “Mas o curioso é que estivemos envolvidos também com -De Profundis-, de Isabella Cribari, e o novo filme de Tião [-Sem Coração-, co-dirigido com Nara Aragão, foi premiado no festival de Cannes]. Todos eles têm a água como elemento forte na narrativa, mas cada um personalidade particular. No primeiro são águas de um rio, no segundo de uma represa e o terceiro, do mar. Foi um trabalho desafiador”, concluiu.
Portifólio – Algumas das produções que tiveram seus sons burilados no Estúdio Carranca foram “Décimo Segundo”, de Leo Lacca; “No Rastro do Camaleão”, “Azul” e “Uma Passagem para Mário”, de Eric Laurence; “KFZ 1348”, de Pedroso e Mascaro; “No. 27” e “Vigias”, de Marcelo Lordello; “Corumbiara”, de Vincent Carelli; “Lua”, de Paulo Caldas; e “4Kordel”, de Lírio Ferreira. Estes dois últimos em exposição constante no Cais do Sertão.
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