Era uma vez um cinema
AIP, há 15 anos abandonado
Por Luiz Joaquim | 20.07.2014 (domingo)
“Recife tem uma relação com o cinema como nenhuma outra cidade já teve. Há um ecossistema cinematográfico.” A frase usada pelo professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Paulo Cunha, em sua palestra intitulada “Um cinema de ciclos e de afetos – O Recife e seus filmes” suscita um debate acerca do contraste que perpassa a cinematografia local e sua memória.
Se de um lado evoca-se a fertilidade da cidade para a produção no segmento audiovisual, do outro, vê-se uma omissão em preservar não só as produções cinematográficas, mas a sua principal fonte de manifestação: as casas de exibição. Hoje, o Recife não passa de um depósito de cinemas-fantasmas. O único exemplar de cinema antigo que ainda pode ser recuperado na Região Metropolitana é o Cine AIP, localizado no edifício da Associação de Imprensa de Pernambuco, na avenida Dantas Barreto.
Ao contrário de outras salas de exibição históricas, que foram descaracterizadas, transformados em igrejas e supermercados, o AIP ainda pode sobreviver se receber a atenção devida. “Em outros locais do Brasil, os cinemas de rua têm sido preservados. No Recife, já perdemos inúmeros imóveis, cinemas que muita gente nem conheceu. É importante o movimento de valorizar e ir atrás de recursos. Com o tombamento,a verba chega muito mais fácil. A ausência do tombamento é que faz com que o imóvel corra o risco de ser modificado”, problematiza a arquiteta Kate Saraiva, autora do livro “Cinemas do Recife”.
Situado no décimo terceiro andar do Edifício AIP,o Cine AIP hoje cheira a mofo e umidade, sem falar da acessibilidade totalmente comprometida. Há anos que o elevador que dá acesso ao Cinema está desativado. Inúmeras goteiras, paredes descascadas e falta de rede elétrica denunciam a negligência com o espaço que, entre as décadas de 1950 e 1960, chegou a ser um dos cinemas mais luxuosos da cidade, onde as pessoas frequentavam de trajes de gala. O filme, muitas vezes, era um pretexto para os rapazes levarem a garota para jantar após a sessão, no famosíssimo restaurante panorâmico, localizado no décimo segundo andar do edifício, também em estado de abandono. “O AIP tem uma importância não só cultural, mas principalmente política. Na época da repressão militar, em 1964, o cinema tentava enfrentar a censura exibindo os filmes que eram proibidos”, diz o atual presidente da Associação de Imprensa de Pernambuco, o jornalista Múcio Aguiar.
“No seu auge, o AIP era frequentado por jornalistas e intelectuais de Pernambuco. A sala de exibição funcionava também como auditório. O primeiro discurso de Miguel Arraes como governador de Pernambuco foi no auditório da instituição”, continua o presidente. Com 170 poltronas, o Cine AIP exibia predominantemente filmes de arte. Nos últimos anos de funcionamento, já na década de 1980, quando começou a entrar em decadência, restringiu-se à exibição de filmes pornográficos e de artes marciais.
Desapropriado pela Associação de Imprensa de Pernambuco em 2010, o edifício passou a ser de responsabilidade jurídica do Estado, que garantiu, no local, o funcionamento do Memorial da Imprensa Pernambucana, até hoje inexistente. Portanto, cabe ao Estado como proprietário do imóvel, empenhar esforços para a recuperação do local. Desde que o AIP entrou em inatividade, o que foi feito até agora para recuperar o cinema foi a captação de recursos através de uma emenda parlamentar que contempla apenas a recuperação da rede elétrica, sob responsabilidade da Secretaria de Turismo de Pernambuco. De acordo com nota divulgada pela assessoria da Setur-PE, a emenda está em “fase de conclusão das diligências para posteriormente firmar contrato de repasse, através da Caixa Econômica Federal.”
INTERVENÇÃO – Uma das iniciativas que chamou atenção para o atual cenário do AIP foi a intervenção “Letreiro Objetivo”, realizada no início do ano pelo artista plástico pernambucano Bruno Faria. O trabalho consistiu em um grande neon com doze metros de comprimento por dois de altura, instalado na cobertura do edifício AIP, escrito THE END. “A ideia foi que o transeunte se deparasse com algo novo na paisagem, um neon que comunicava algo. Tomando emprestado o anúncio no final de um filme, ele anunciava um novo fim, que é o de uma sala de cinema e, ao mesmo tempo, o fim de uma cidade que passa por vários problemas urbanísticos e culturais”, explica o artista.
História – Construído em 1958, com projeto de Delfim Amorim, o edifício AIP está há 15 anos em estado de abandono e degradação.
0 Comentários