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Festivais

47o Brasília 2014 – noite 6

Contenções e transições por Gabriel Mascaro

Por Luiz Joaquim | 23.09.2014 (terça-feira)

BRASILIA (DF) – Shôhei Imamura, Tsai Ming-Liang, Robert Flaherty, Glauber Rocha, Jean Rouch, Sean S. Cunningham (pelo filme “Sexta-feira 13”), Jorge Bodanzky com Orlando Senna, e o Cinema Novo polonês foram algumas das referências cinematográficas suscitadas pela crítica especializada durante entrevista coletiva com Gabriel Mascaro e equipe, que aconteceu na manhã de ontem no 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O filme em questão era “Ventos de Agosto”, obra de Gabriel, em competição no festival, que foi exibida na noite de domingo.

Tantas buscas por amarras e interfaces com outras cinematografias tão distintas entre si serviram para reforçar a universalidade e, mais importante, a força autoral de Mascaro que, à propósito, não se declara um cinéfilo.

Nesse caldeirão de referências, “Ventos de Agosto” poderia até ser vinculado, com uma certa generosidade, a “Aitaré da Praia”, rodado em 1925 na praia de Piedade (Pernambuco) por Gentil Roiz. Isto pelo simples fato do filme de Mascaro ter partida numa tensão amorosa entre dois jovens – Shirley (Dandara de Morais) e Jeison (Geová Manoel dos Santos) – numa paisagem litorânea selvagem; na verdade Porto de Pedras, Alagoas, mesmo locação vista no curta “Sem Coração”, de Tião e Nara Normande, também projetado em Brasília.

A palavra “generosidade” é necessária porque o enredo ficcionalizado de “Ventos…” vai muito mais além de questões amorosas de um casal. O filme funciona numa escala de complexidade em que a relação dos personagens com o seu ambiente – um lugarejo primitivo, do ponto de vista de tecnologia moderna e da cultura industrial – e seus anseios e desejos se confrontam com a imposição de contenções.

“Contenção” é outra palavra importante nesse contexto dramático uma vez que se Shirley é um corpo estranho naquele lugar, com seu interesse por tatuagem e música punk mas que ali permanece por obrigação para cuidar da avó nonagenária, Jeison por sua vez também nos surge contido, ao seu jeito, nos seus conflitos internos.

Ao contrário de Shirley, a libertação da contenção que Jeison vive consigo – aparentemente traumatizado pela mãe já falecida – vai sendo trabalhada no filme quando ele busca de todas as formas dar um destino justo a um corpo estranho que aparece no seu vilarejo.

Este estrangeiro é um estudioso de ventos alísios (interpretado pelo próprio Mascaro) que chega ao local interferindo na paisagem e nos costumes. Em entrevista, Mascaro fez uma analogia entre a chegada do personagem na história com a chegada de uma equipe do filme em locações como a ali vista.

Curioso também procurar entender a escolha de levar um pesquisador de ventos (um elemento só perceptível pelo seu movimento) naquela paisagem humana, na qual a imobilidade de seus habitantes nativos obriga-os a criar represas de areia ou pedras (“contenção” novamente) para evitar o avanço do rio e do mar.

“Contenção” é igualmente importante no contexto estético, uma vez que Mascaro é econômico e preciso ao compor suas imagens tão contemplativas quanto eloquentes. Isto aparece também no humor que o filme oferece. Num timing perfeito, Mascaro nos dá um filme leve – mesmo com a presença da morte – e chega agora como um muito bem vindo cineasta da dramaturgia ficcionada, como a conhecemos em sua construção mais clássica.

CURTAS – A noite de domingo também viu a projeção dos curtas-metragens “B-Flat”, filme paulista de Mariana Youssef rodado na índia sobre perdas; e “Luz”, de Gabriel Medeiros, único filme do Rio de Janeiro nesta edição Festival de Brasília. Seu tema é a vida de habitantes num vilarejo litorâneo carioca vivendo sem energia elétrica em 2014.

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