47o Brasília (2014) – noites 4 e 5
Os corpos em movimentos de Taciano Valério
Por Luiz Joaquim | 22.09.2014 (segunda-feira)
BRASILIA (DF) – Até a manhã do sábado, esta edição do 47o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro não havia presenciado uma entrevista coletiva com os realizadores dos longas-metragens em competição tão elaborada, pelas perspectiva dos conceitos cinematográficos, como a que foi vista naquele momento.
Mesmo tenho acontecido uma dia antes (na quinta-feira) a sofisticada conversa com Marcelo Pedroso sobre “Brasil S/A”, a presença na mesa de debate na manhã de sábado do crítico, roteirista, estudioso do cinema brasileiro e ator Jean-Claude Bernardet para o filme “Pingo DÁgua”, de Taciano Valério, somada ao nome de gente como o professor e pesquisador da UFF, João Luiz Vieira, e outros, elevou o nível da discussão para um patamar que o próprio filme pedia no que diz respeito a significantes e significados.
Rodado em datas e lugares distintos (Tiradentes, Campina Grande, São Paulo), “Pingo DÁgua”, oferece situações episódicas fragilmente costuradas entre si (e de maneira proposital) dentro da narrativa, sendo elas vividas no próprio ambiente real da vida dos atores.
Sensações experimentadas pelos atores também foram incorporadas para refletir sensações próximas de seus personagens, fazendo do filme um experimento desde sua concepção inicial, no qual o processo surge mais urgente do que o ponto final de chegada.
Não à toa, Taciano cita Jorge Luís Borges no início do novo filme, fechando sua “Trilogia sem Cor”, antecedida pelos longas “Onde Borges Tudo Vê” e “Ferrolho” (ambos de 2012). “Desejo e falta é o que nos move. Não havia roteiro, prioristicamente, no papel”, revelou o diretor.
Para Bernardet, “Pingo DÁgua” lhe surge “com certo espanto. E me lembro de Flaubert ao colocar a ideia de um texto sem significação. Coisa que não existe. Com o filme de Taciano não consigo enxergar limites e os sentidos só aparecem em arquipélagos isolados”, pontuou.
O pensamento do ator casava com o conceito por trás do filme defendido por Taciano, como este sendo um filme rizomático, com cada um dos seus módulos encerrando significações.
João Luiz retrucou lembrando que a presença de Jean-Claude na tela como um intelectual desistindo da crítica cinematográfica, e que rejeita o pensamento em função do movimento do corpo, além de sua limitações na visão, impõe sentidos sim. Assim como a presença da mala como símbolo da transitoriedade dos personagens. “Seria um road-movie, mas a viagem aqui é interior. E até poderíamos chamá-lo de um cinema ‘Transnacional Interno’ pelo seu deslocamento em várias cidades”, disse.
“Pingo D`Água” surgiu em Brasília, portanto, como um filme indecifrável, mas que se construiu conscientemente assim, sem desejar definições. Buscando efetivamente suscitar sensações.
DEDICATORIA – Taciano Valério dedicou a exibição de “Pingo DÁgua” na noite de sexta-feira aos cineastas paraibanos e ao critico de cinema baiano João Carlos Sampaio, falecido aos 45 anos em maio último, no Recife; e, a la Cláudio Assis em Paulínia 2011, beijou toda a equipe no palco do Cine Brasília.
Explodindo Brasília
Se o debate sobre “Pingo DÁgua” provocou uma ebulição intelectual a respeito dos alcances do filme, no mesmo sábado, à noite, a quarta sessão competitiva do 47o Festival da Brasília, com o longa-metragem da Ceilândia (DF), “Branco Sai, Preto Fica”, foi certamente a mais envolvente para a platéia local.
Este que é o mais elaborado filme do cineasta da cidade satélite do Distrito Federal, Adirley Queirós, fez da sua sessão no Cine Brasília um espaço pequeno, repleto de espectadores espalhados pelo chão para conhecer a inventividade politicamente combativa do realizador.
Como uma ficção científica futurística e documental, o enredo apresenta Dimas Cravalanças (Dilmar Durães), o homem que veio do futuro em busca de justiça. Ele tenta encontrar Sartana, jovem desaparecido num bailão suburbano em 1986, após violenta batida policial que o vitimizou.
O caso, real, é relembrando por seus amigos da época, Marquim e Shockito, hoje homens que levam no corpo as marcas da abordagem policial. O primeiro é um cadeirante, o segundo, perdeu uma perna.
É muito prazeroso perceber em cada novo filme de Adirley ele burilando sua verve cinematográfica, com beleza estética e timing precisos, sempre em função de uma postura mais justa para a sociedade marginalizada.
Com o filme mostrando um final apocalíptico para a Capital Federal, a sessão foi encerrada por intermináveis aplausos que ganharam ainda mais força ao acender das luzes. Histórico.
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