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Críticas

O Beijo da Mulher Aranha

Romantismo VS racionalismo

Por Luiz Joaquim | 28.09.2014 (domingo)

Em tempos de projeções digitalmente límpidas, ir hoje ao cinema para alguns cinéfilos e ver um filme projetado em película funciona quase como um fetichismo. E se este filme for um clássico, a ação pode ser ainda mais prazerosa. O Cinema da Fundação Joaquim Nabuco oferece aos cinéfilos da cidade um pouco desta experiência hoje, às 16h, com a sessão em 35mm de “O Beijo da Mulher Aranha” (Bra., 1985), de Hector Babenco.

Numa parceria com a Cinemateca Brasileira (SP), a Fundaj trouxe do Ceará a cópia rara que exibiu ali, no Cine Dragão-Fundação Joaquim Nabuco, dentro do 1º Festival Internacional de Cinema de Fortaleza (Farol) encerrado há duas semanas.

Sempre lembrado como o mais próximo que o Brasil chegou ao Oscar, em função do ator norte-americano William Hurt ter recebido a estatueta dourada na competição de 1986 por sua atuação no filme, “O Beijo da Mulher Aranha” é mais do que isso. É um ponto de inflexão a ser estudado na carreira do argentino Babenco, naturalizado brasileiro.

Ponto de inflexão porque até realizá-lo o cineasta direcionava sua produção – “O Rei da Noite” (1975); “Lúcia Flávio: Passageiro da Agonia” (1977); e “Pixote: A Lei do Mais Fraco” (1981) – ao drama dos desvalidos sociais de maneira mais concreta, a pontuar a narrativa da história em função do ritmo e de uma estética policialesca. O que o diferenciava de outros filmes do gênero da época estava exatamente no profundidade em que Babenco mergulhava nas questões íntimas de seus personagens.

“Pixote” é, sem sombra de dúvida, sua obra-prima aqui, na qual faz sobresair-se a fraternidade entre estes desvalidos, num universo da marginalidade cercada por instituiçoes opressoras.

Com “O Beijo da Mulher Aranha”, cujo sucesso lhe abriu as portas de Hollywood – depois ele faria nos EUA “Ironweed” (1987), com Jack Nicholson e Meryl Streep; e “Brincando nos Campos do Senhor” (1991), com Aidan Quinn e Kathy Bates – Babenco ainda focava sua atenção aos desvalidos, mas passava a apropriar-se de metafóras mais lúdicas para retornar ao tema da fraternidade entre os condenados.

No caso de “O Beijo…” temos o homossexual Molina (Hurt) e o prisioneiro político de um grupo antifacista Valentin (Raul Júlia) divindindo uma cela em algum lugar na América do Sul. Nos 3/4 do filme, que se desenrolam dentro da cela, vamos descobrindo aos poucos a diferença entre a visão dos dois prisioneiros. Enquanto o primeiro é um romântico que recorda de filmes escapistas (protagonizados por Sônia Braga) para suprir carências amorosas, o segundo é racional e um pragmático ativista.

Em sua condução cuidadosa, Babenco apropria-se da história adaptada do livro de Manuel Puig para mostrar a transformação entre estes dois condenados aparentemente tão distintos, mas que em situações limites se igualam pela fraternidade. E assim vemos Molina capaz de dar a vida em função de uma causa, e o politizado Valentin, no climax do sofrimento, fantasiar imagens de felicidade deslumbrantes ao lado de sua ex-amante (também vivida por Sônia Braga). É comoventente.

RAROS – O Cinema da Fundação Joaquim Nabuco reserva ainda mais duas sessão de clássicos raros brasileiros para breve. Vai exibir, também em 35mm “Quando os Deuses Adormecem” (1972), de José Mojica Marins (o “Zé do Caixão”), e a pornochanchada “Elas Só Transam no Disco” (1983), de Ary Fernandes.

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