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Críticas

Mais Um Ano

Sobre felicidades forjadas e legítimas

Por Luiz Joaquim | 02.10.2014 (quinta-feira)

Não gostava de estudar história no colégio mas, à medida que envelhecemos, ela parece cada vez mais importante, para dizer o óbvio”, diz na cama com um sorriso no rosto o geólogo de meia-idade Tom (Jim Broadbent) enquanto sua esposa, a psicóloga Gerri (Ruth Sheen) repousa a cabeça em seu peito. A conversa que surge quase que solta lá pelo meio de “Mais Um Ano” (Another Year, Ing., 2012), filme de Mike Leigh que estreia hoje no Cinema da Fundação, é na verdade um ponto chave do filme.

Neste filme estranhamente agridoce que percorre as quatros estações do ano acompanhando a vida do casal Tom e Gerri – que, diferente do gato Tom e do rato Jerry, levam uma vida felizes juntos -, o diretor Leigh nos oferece mais uma pancada sutil e profunda sobre a beleza e as tristezas para onde a vida pode nos levar, ou melhor para onde nos mesmos estamos levando a nossa vida.

Leigh, 71 anos e responsável por obras sofisticadas sobre a complexidade do ser-humano – “Segredos e Mentiras” (1997); “Topsey-Turvey: O Espetáculo” (1990); “Agora ou Nunca” (2002); “O Segredo de Vera Drake” (2004); “Simplesmente Feliz” (2008) – oferece agora uma afiada reflexão sobre o destino que damos às nossas vidas, chamando a responsabilidade para nós mesmo.

A reflexão também é condensada em um conselho simples dado por Gerri à amiga de trabalho Mary (a maravilhosa Lesley Manville): “você precisa ser responsável pelas suas escolhas”. Mary é aqui a personagem contraponto do casal maduro protagonista. Ela está ali pelos seus cinquenta e tantos anos. Mary casou aos 20, separou-se e depois teve um relacionamento com um homem casado. Deixada por esta única pessoa que amou, vive agora numa espécie de delírio adolescente, vendo em qualquer homem sozinho que tropeça na vida como um pontencial parceiro com quem possa dividir a vida solitária. Este homem pode ser tanto Joe (Oliver Maltman), o filho de 30 anos do casal Tom e Gerri, quanto o recém-viúvo irmão septuagenário (David Bradley) de Tom.

Leigh desenha o personagem de Mary de forma cruel. Na verdade, a crueldade maior não está na sua ficcionalização, mas justamente no oposto. Está no fato de Mary ser um retrato muito preciso que reconhecemos facilmente em muitas pessoas soltas pelo mundo real, melancolícamente preenchendo seu tempo ao inves de vivê-lo.

Ao contrário da Poppy de “Simplesmente Feliz”, Mary não encontra felicidade em nada; muito embora a forje em subterfúrgios óbvios. Vive num passado distante e enxerga no seu novo brinquedo – um carro velho – a possibilidade de uma liberdade aventureira que nunca terá.

Leigh deixa este cenário ainda mais complexo quando confronta a aridez da vida da personagem com as flores e os frutos que brotam do casal em paz. Estes frutos estão bem representados tanto na horta que Tom e Gerri cultivam o ano inteiro, quanto em Joe, o filho equilibrado e bem educado que, naturalmente, só inicia um romance com uma garota depois de muito maturado.

Dando corpo às sutilezas de “Mais Um Ano”, estão os atores. Quase como um provocação – e fazendo-o de forma hipnótica mesmo antes dos créditos iniciais – Leigh abre o filme com uma atriz da estatura de Imelda Staunton apenas para dar o tom da leveza de Gerri. No mundo de Mike Leigh, a vida é feita de constrastes e decisões, e é bom levá-las à sério.

PRÊMIOS – “Mais Um Ano” concorreu ao Oscar de melhor roteiro em 2011. Um ano antes, ganhou o prêmio ecumênico do júri no Festival de Cannes, e Lesley Manville foi eleita melhor atriz pela crítica londrina daquele ano.

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