O Abutre
Obsessão pelo sucesso
Por Luiz Joaquim | 13.12.2014 (sábado)
A mostra Expectativa 2015 / Retrospectiva 2014 do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Recife) antecipa hoje “O Abutre” (Nightcrawler, EUA, 2014), de Dan Gilroy (sessão única às 21h). O filme, que só estreia quinta-feira (18) no Brasil, poderá virar referência quando o assunto for jornalismo, e ainda deu a segunda indicação como melhor ator ao Globo de Ouro para seu protagonista e produtor Jake Gyllenhaal – a primeira foi em “Amor e Outras Drogas” (2010).
Numa síntese básica, o mote de “O Abutre” não se distancia da de seu xara de 1951 “A Montanha dos Sete Abutres”. Assim como a motivação do repórter veterano e fracassado Charles Tatum (Kirk Douglas) no clássico de Billy Wilder era aproveitar-se de um acidente para estender a importância de sua notícia; o iniciante cinegrafista freelancer de Gyllenhaal (Lou Bloom) também não mede esforço, nem respeita a ética profissional ou humana, para conseguir as melhores imagens de tragédias.
Mas perto de Bloom, Tatum seria uma criança inocente. Não é apenas a determinação, o poder de persuasão e a disciplina para chegar ao topo e tornar-se o melhor no que faz que deixa o personagem de Gyllenhaal tão atraente e assustador. Na verdade é sua falta de escrúpulos e amoralidade, disfarçada por um comportamente inatingivelmente polido e cordial, que seduz o espectador, deixando a plateia de olhos bem abertos para todos os passos cuidadosamente tomados pelo protagonista.
Na verdade temos em Bloom um personagem obsessivo, composto por Gyllenhaal com maestria, sempre exibindo seus olhos esbugalhados e um sorriso gélido. A primeira informação que o filme nos dá a seu respeito é que ele é um ladrão vagabundo de cercas de ferro, tampa de bueiros e outros metais para vender ao ferro velho.
Ao descobrir por acaso que cinegrafistas autônomos ganham centenas de dólares dos noticiários da tevê por imagens de tragédias urbanas como assassinatos, incêndios, atropelamentos e outras desgraças, ele resolve investir em equipamento e a caçar tais tragédias pela noite de Los Angeles.
Num outro momento, sabemos pelo próprio Bloom que ele não tem formação regular e que foi da internet que tirou toda sua “sabedoria”. Ao cair nas graças de Nina (Rene Russo), a produtora de um noticiario matutino local cuja ponto alto é a exploração dessas imagens graficamente fortes, Bloom começa a acreditar ainda mais em seu talento e passa a traçar planos meticulosos para crescer sua “empresa”, contratando até um assistênte (Riz Ahmed).
O espectador começa a perceber que as coisas são mais que esquisitas e fora do controle quando, para conseguir um melhor ângulo com sua câmera, o próprio Bloom, chegando antes da polícia a um acidente, interfere na cena que encontra. É o começo para um caminho sem volta que Lou Bloom vai traçar até o fim do poço, onde o valor moral ou ético é zero em função de uma obsessão pelo sucesso.
Em tempos em que qualquer um virou um “cinegrafista amador” portando apenas seu smartphone, e pode ter suas imagens veiculadas no telejornais mais visto de seu país, “O Abutre” parece gritar um sinal de alerta de que sim, é preciso haver um limite para a vaidade.
PERNAMBUCANA – O hollywoodiano “O Abutre” tem uma pernambucana como produtora associada. É Juliana Guedes, cujo debut que lhe deu visibilidade na terra do cinema aconteceu com a versão de “Miami Vice” (2006), de Michal Mann, como produtora assistente. Juliana também tem crédito por “Os Suspeitos” (2013), “Hancock” (2008), “Contra o Tempo” (2011) e “Amor e Outras Drogas” (2010), entre outros.
ATRAÇÕES – Ainda hoje, a mostra “Expectativa/Retrospectiva” da Fundaj oferece o clássico “Vertigo: Um Corpo que Cai” (às 18h30), clássico de 1958 de Alfred Hitchcock.
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