O Abutre – texto 2
Mundo (midiático) cão
Por Luiz Joaquim | 18.12.2014 (quinta-feira)
Na música “Rap d’Anne stark”, lançada em 1987, no álbum inaugural da banda Fausto Fawcett e Os Robôs Efêmeros, a letra falava de um estudante de comunicação apaixonado por uma apresentadora âncora, loira, que noticiava a preocupação dos presidentes das principais redes de tevê, pois os superstars do terrorismo internacional pediam aumento para renovarem seus contratos com os telejornais.
A brincadeira de Fawcett parece um exagero, assim como parece exagerada a obsessão do personagem defendido por Jake Gyllenhaal em “O Abutre” (Nightcrawler, EUA, 2014), dirigida por Dan Gilroy. Filme que deu a segunda indicação ao Globo de Ouro 2015 para o ator e que estréia hoje no Brasil.
A merecida (e única) indicação faz jus ao ótimo momento de Gyllenhaal que consegue nos convencer da forma absurda pela qual seu personagem, Lou Bloom, busca o sucesso. Ele é uma espécie de sociopata em que a única coisa que lhe importa é a ascensão na profissão que decidiu seguir após um susto ao ser flagrado em um de seus habituais furtos de arame e tampa de bueiro.
Lou decide tornar-se o melhor cinegrafista freelancer noturno que existe em Los Angeles. Sempre com os olhos esbugalhados e se dirigindo da maneira mais cordial possível a todos em que esbarra , ele vai ganhando espaço no meio, inclusive numa emissora local cujo filé mignon de sua telenotícia matutina são as tragédias ocorridas na madrugada.
Com um tino para farejar problemas, e com sua total falta de escrúpulos e absoluta determinação, Lou acaba por chegar ao local dos problemas antes da polícia, o que o deixa à vontade para fazer o que quiser com a vítima. É aí que “O Abutre” começa a incomodar ainda mais, no sentido de fazer seu espectador refletir a respeito do que lhe é oferecido pela tevê, como é oferecido, e sobre sua validade.
Aspectos sobre a amoralidade ou a falta de ética na imprensa são ressaltadas aqui como se uma forte caneta piloto laranja sublinhasse as lições das aulas de jornalismo, mas com uma representação dramatúrgica tocante. No caso, o exagero de Gyllenhaal dá certo. E seu Lou Bloom deverá ser lembrado por muito tempo ao vermos notícias sanguinolentas na tevê.
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