Antologia do cinema pernambucano
Pequena caixa de tesouro audiovisual
Por Luiz Joaquim | 09.01.2015 (sexta-feira)
A partir de hoje, escolas de cinema e cinematecas do País, entres outra entidades vinculadas ao setor, como por exemplo a Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine), devem começar a receber um exemplar da caixa de DVDs “Antologia do Cinema Pernambucano”. O projeto de fôlego realizado com fundos do Programa de Fomento à Produção Audiovisual de Pernambuco (Funcultura) tomou 26 meses de trabalho capitaneado pelas produtoras Isabela Cribari e Germana Pereira e terá a limitada tiragem de 1.000 exemplares.
Por ele, temos reunidos, em 20 discos, mais de 200 filmes do cinema realizado no Estado desde os anos 1920 – entre curtas, médias e o longa-metragem “A Filha do Advogado”- até títulos lançados em 2013. É uma reunião não totalizante das obras locais – como diz o texto no próprio encarte do box (“nenhum antologia deve ser tomada como o todo”) -, mas é uma reunião que facilita a vida não apenas de pesquisadores, como a de produtores e cineclubistas, apenas para citar o óbvio entre os beneficiados.
Mais do que uma reunião de filmes que apenas facilitasse a vida de seus espectadores, o trabalho nasceu para provocar reflexões. E para reordenar a lógica de filmes tão díspare fosse pela estética, fosse pelo discurso, as produtoras contrataram o jornalista e pesquisador Rodrigo Almeida para assumir a curadoria da caixa.
“Tudo iniciou quando começamos a pensar no site [www.cinemapernambucano.com.br, hoje em manutenção]. Numa apuração mais livre, ouvíamos que alguém guardava um filme que queríamos, aí descobríamos que não era bem assim, e foi então que decidimos montar uma pesquisa mais formal. Inicialmente, queríamos ter uma caixa por ano e tínhamos o desejo de fazer também restauros, incluindo o som de alguns filmes antigos, mas não tivemos essa opção pelo Funcultura. Nesse processo, percebemos a necessidade de dar um recorte e procuramos um curador”, recorda Cribari. “Queríamos um olhar jovem e Rodrigo entrou ainda na fase de proposição do projeto ao Funcultura”, complementa Germana.
E foi já no início que o curador deixou claro que não assumiria uma organização cronológica nessa ordenação dos títulos. “Apostei numa proposta transversal, criando um campo de aproximações entre obras distantes no tempo. Essa vontade partiu do que venho lendo nos últimos anos para o meu doutorado, uma pesquisa que traça um diálogo entre cinema e história, desenvolvendo uma perspectiva arqueológica de – como na montagem de um filme, um princípio bem de Eisenstein, mas também de Aby Warburg – agrupar imagens distantes, mas que colocadas lado a lado ou em sequência produzem um efeito novo, vigoroso, contundente”, explicou Rodrigo.
Dessa forma, o box foi separado por três eixos. O Cinema/Transcinema, “com filmes sobre o próprio cinema, o cinema pernambucano, com visões mais históricas, resgatando salas de exibição assim como produções que apontam para um campo mais experimental”; o Câmera/Cidade, “que vem como uma reunião de títulos sobre a cidade do Recife e seus imaginários diversos, tocando em temas caros ao contemporâneo como o urbanismo”; e Áridos Movies, “contemplando os filmes que carregam um caráter mais frontal de regionalismo, ou seja, que trazem o Sertão, a Zona da Mata, passeiam pela cultura popular”, resume o curador.
Rodrigo lembra que alguns títulos sondados e possíveis ficaram de fora da Antologia por desejo do próprio responsável pela obra. “Para mim a maior falta dessa coleção é -Muro-, de Tião, O realizador não quis inserir por conta de um projeto da Trincheira [sua produtora] de lançar um DVD com os filmes deles”. Cribari dá outro exemplo: “Um superoitista não quis participar porque o projeto não previa uma telecinagem de melhor qualidade”, lamenta.
Este é, a propósito, o único senão da Antologia, ou seja apresentar os títulos nas condições em que foram fornecidos. “Na verdade”, conta Cribari, “tivemos diversos problemas com a qualidade do material que recebemos, e em alguns casos, melhoramos em muito sua condição de apresentação. Sem falar no nó para desatar em mais de 350 contratos de sessão de direito além de direitos patrimoniais, envolvidos em inventários uma vez que alguns autores já eram falecidos”, registra.
ENTREVISTA: Rodrigo Almeida
Qual a maior dificuldade neste projeto?
A maior dificuldade, sem dúvida também uma tristeza, foi ver a situação em que se encontra o acervo cinematográfico do estado. Falo especialmente pensando no ciclo Super 8, muitas coisas perdidas, muitas outras em via se perder, quase tudo em condições muito precárias. Vários filmes caíram por conta de condições técnicas ou porque ainda não tinha sido telecinados em qualidade mínima; outros, mesmo com qualidade questionável, decidimos manter por uma postura política. Mas também falo sobre filmes mais recentes, de quinze, vinte anos para cá, que também estão perdidos ou só possuem cópias em péssima qualidade. Teve gente que quase perdeu seu filme porque descobriu que aquele HD de backup já não funcionava mais.
E a maior satisfação?
Depois de dois anos de trabalho é uma satisfação enorme ver o resultado final e pensar que esse material vai seguramente auxiliar muitos pesquisadores de vários lugares diferentes, assim como vai permitir que o cinema pernambucano ou os cinemas pernambucanos, no plural como coloco no texto da curadoria, possa(m) alcançar novos públicos.
Como defende a importância dessa Antologia?
Eu acredito que a Antologia chega dizendo que para além do apoio notório aos projetos contemporâneos, precisamos de uma política pública mais efetiva de preservação e restauração da produção cinematográfica de nosso estado (e do País!), assim como precisamos investir num espaço guardião dessa memória, o Museu da Imagem e do Som (MISPE), que tenham salas em condições ideais para manter películas, assim como funcione como um lugar de ciclos contínuos de exibição e debate.
10 FILMES CLÁSSICOS PERNAMBUCANOS
A Filha do Advogado, Jota Soares, 1926
O Palhaço Degolado, Jomar Muniz de Brito e Carlos Cordeiro, 1977
A Perna Cabiluda, Beto Normal, Gil Vicente, João Júnior, Marcelo Gomes, 1995
Simião Martiniano: O Câmelo de Cinema, de Hilto Lacerda e Clara Angélica, 1998
That s a Lero Lero, de Lírio Ferreira, 1995
Texas Hotel, Cláudio Assis, 1999
História de Amor a 16 Quadro por Segundo, de Amin Steplle e Fernando Spencer, 1999
Resgate Cultural, Telephone Colorido, 2001
Eisenstein, de Leo Lacca, Tião, Raul Luna, 2006
Recife Frio, de Kleber Mendonça Filho, 2010
10 FILMES RAROS PERNAMBUCANOS
Jurando Vingar, Ary Severo, 1925
Revezes, Chagas Ribeiro, 1927
Vivencial, Jomard Muniz de Brito, 1974
RH Positivo, Fernando Spencer, 1978
O Bandido da Sétima Luz, de Paulo Caldas, 1986
O Crime da Imagem, Paulo Caldas, 1992
Cassino Americano, Marcos Hanois, 1994
Soneto do Desmantelo Blue, Cláudio Assis, 1994
Cinema Sozinho, Maurício Targino, 2004
Copo de Leite, Jura Capela, 2004
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