Ida
Arqueologia da dor
Por Luiz Joaquim | 02.01.2015 (sexta-feira)
“Ida” (Pol./ Din./ Fra./GB / 2013), do polonês Pawel Pawlikowski, é um filme pequeno. Pequeno no seu enquadramento de início do século passado (com proporção 1:1,33) e pequeno na duração de 80 minutos. Mas é gigante na precisão e beleza desse seu enquadramento, nas matizes entre o preto e o branco de sua fotografia, e numa trilha sonora que inclui Bach com John Coltrane e vai invadir todo o espaço do cinema da Fundação Joaquim Nabuco a partir de hoje, quando o filme estreia no Recife.
As mesmas distinções entre pequeno e grande estão em Anna (AgataTrzebuchowska), protagonista desta produção que concorre ao Globo de Ouro de estrangeiro e também está no páreo pelo Oscar. Trzebuchowska é uma jovem atriz iniciante mas aparece inteira aqui, como uma veterana ao dar vida a uma noviça polonesa no início dos anos 1960 que, aos 16 anos, está para prestar seus votos como freira.
Antes de passar pela cerimônia, Anna é sugerida pela madre superiora a sair do convento/orfanato onde viveu por toda a vida para conhecer seu único parente vivo, a tia Wanda (Agata Kulesza). Wanda é uma ex-promotora alcoólotra que, entre uma aventura sexual e outra, decide mostrar à sobrinha a verdade sobre seus antepassados durante a ocupação nazista na Polônia.
No percusso, Wanda dá carona a Lis (Dawid Ogrodnik), um jovem saxofonista de um grupo de jazz, o que abre um nova perspectiva para Anna, sempre estimulada pela tia. São simples as situações assim como são discretas as opções de Pawlikowski. Mas todas conquistam o espectador pelos pequenos detalhes, muitas vezes escondidos no olhar vago de Anna ou Wanda, ou naquilo que está fora do quadro.
Passeando com tranquilidade entre dois temas difícieis – religião e nazismo – o diretor faz do encontro entre Anna e Wanda a união entre duas pessoas de futuro indefinido que, mesmo tão distintas, se amam em função de um objeto comum: o parentesco. E ainda que, com as diferenças religiosas, elas se retroalimentam cada uma naquilo que a vida lhe tirou. No caso de Anna, a alegria de descobrir-se. Em Wanda, a beleza da inocência.
Pawlikowski parece dar com “Ida” um recado muito duro sobre alguns absurdos da história política polonesa, apresentando numa mesma família o algoz e a vítima. São contrastes tão próximos (e tão distintos) mas que ainda assim nos são colocados com delicadeza pelo encontro dessa atéia com uma religiosa fervorosa, de uma experiente mulher do mundo com uma criança recém-acordada para este mesmo mundo, da sensualidade/sexualidade com a santidade.
Nesse complexo processo de convívio em que a ideia que cada uma dessas mulheres faz de si própria em função da proximidade forçada deixa suas convições abaladas, fazendo com que cada uma delas tome caminhos também inesperados.
E a elegância que Pawlikowski, que iniciou a carreira como documentarista, imprime na condução dessa história é tão lúcida quanto a econômica discrição e beleza da fotografia dividida entre Ryszard Lenczewski e Lukasz Zal. Por ela (a fotografia) somos introduzidos a um duro contraste entre o preto e o branco que vai transformando-se num cinza translúcido à medida em que o filme avança e as ideias das duas mulheres embaralham-se com suas novas descobertas. É doloroso e é belo.
HISTÓRICO – O último filme de Pawel Pawlikowski exibido no Recife foi “Meu Amor de Verão”, aconteceu no Cine Apolo, em 2006. Com a história sobre um romance entre duas adolescentes, o diretor polonês já chamava a atenção para a força da religião por Phil, o irmão mais velho de uma das protagonistas, que era um obstinado em, com orações, salvar do “mal” a insolente irmã.
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