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Críticas

Dívida de Honra

Os vastos e áridos desafios de ser mulher

Por Luiz Joaquim | 19.03.2015 (quinta-feira)

no still do filme, Mary Bee (Swanks), frágil e forte, como só as mulheres conseguem ser

Se o leitor lembra com carinho de “Três Enterros”, primeiro filme dirigido por Tommy Lee Jones, e que ainda lhe deu de lambuja o titulo de melhor ator no Festival de Cannes em 2005, deve prestar em seu segundo filhote cinematográfico na direção, “Divida de Honra” (The Homesman, EUA, 2014) – que também concorreu em Cannes, ano passado – e agora entra em cartaz no Brasil.

Se, no primeiro filme, Jones colocou seus personagens em situações e cenários que apontavam para uma espécie de western contemporâneo, com”Divida de Honra” o western é ainda mais autêntico acontecendo, inclusive, em sua época tradicional.

É 1854 num lugar ao esmo num desértico estado de Nebraska. Lá num vilarejo vive a solitária e altiva Mary Bee Cuddy (Hilary Swanks, ótima). Uma mulher solteira, aos 35 anos, que vê em todo homem solteiro a possibilidade de um marido que lhe empreste a dignidade que pede a sociedade da época.

Acostumada a ouvir de todos eles “você tem poucos atrativos e é muito mandona” como resposta às suas investidas, Mary Bee, impulsionada pelo solidão, decide seguir numa jornada incomum para mulheres naquele momento. Viajar guiando uma carroça, que mais lembra um prisão sobre rodas, atravessando o deserto em direção a Iowa.

A carga? Três outras mulheres (Grace Gummer, Miranda Otto, Sonya Richter) que perderam a razão diante de tanto sofrimento e por sugestão do padre local (John Lithgow), devem ser entregues aos cuidados de um asilo.

No início do percurso, ela encontra o trapaceiro Georges (Jones) a quem salva a vida com a condição de ajudá-la durante toda a viagem.

Temente a Deus, Bee é uma dama, mas maneja bem uma espingarda se necessário, e é esperta o suficiente para saber como convencer o malandro beberrão do Georges a lhe ser fiel na jornada.

O roteiro do próprio Lee Jones, co-escrito com Kieran Fitzgerald e Wesley A. Oliver, vai alimentando o espectador aos pouquinhos, e numa dosagem exata de interesse, ao longo do trajeto. Dá tensões que surgem num crescente constante, ajudando a realçar a abnegação de Bee em ajudar aquelas três mulheres que vivem num mundo apenas dentro de suas cabeças.

Num dos momentos mais femininos desse filme de espírito feminino, Bee dá de beber a personagem de Gummer, que matou o próprio filho e sempre carrega uma boneca consigo. Num ato silencioso, Bee logo depois dá de beber também a boneca de Gummer e ganha com isso a confiança da infantilizada personagem.

Dessa forma, assim como em “Menina de Ouro”, Swanks consegue aqui representar questões femininas mesmo num ambiente tradicionalmente pontuado pelo masculino. Em “Divida de Honra” ela é igualmente exitosa na mesma circunstância.

Comovente, o filme de Jones deve muito a ele próprio – seu diretor, ator e roteirista – que, assim como Clint Eastwood no filme que deu o Oscar a Swanks, abriu espaço para a atriz mostrar seu talento. É o mínimo que um cavalheiro pode fazer quando encontra um par a sua altura.

INVESTIGAÇÃO – Para o desenvolvimento da história em “Dívida de Honra”, Tommy Lee Jones e os outros dois roteiristas leram diversas obras sobre a loucura no século 19.

Cronista do western
Se os faroestes apresenta sempre lugares doentes para se viver, mas nunca totalmente morto, então é sempre bastante provável que os homens que vivam por lá sucumbam ao desespero e à falta de ética. O tema volta às telas pelas mãos de Tommy Lee Jones, com estética clássica, mas com uma cara moderna a este velho e cansado gênero cinemográfico graças ao seu “Dívida de Honra”.

Mas Jones já vem nos agraciando com o tema, reformulado-o, desde 1989. Lá trabalhou na série épica feito para a tevê “Os Pistoleiros do Oeste”, sobre dois delegados (Jones e Robert Duvall) no texas acompanhando vaqueiros e patrulhas, sempre mostrando estouros de boiada, enchentes e muita neve. O rosto duro e seco do ator também lhe ajudou em “Desaparecidas” (2002), de Ron Howard.

No filme para o cinema ele é um homem que, no século 19, decide voltar para casa, após anos ausente, numa tentativa de fazer as pazes com filha Maggie (Cate Blanchett). O enredo o coloca ajudando-a a caçar sua filha mais velha que foi sequestrada na fronteira do México.

Já em 2008, Jones reaparece no western neo-noir capitaneado pelos Irmãos Coen – “Onde os Fracos não Tem Vez”. Ele está mais uma vez no Texas só que na década de 1980 quando atua como Xerife para resolver uma bagunça entre um traficante e um psicótico mal-humorado. Com os dois filmes que dirigiu para o cinema, Tommy Lee Jones vai ganhando respeito como o mais novo guardião do mais autêntico gênero do cinema norte-americano.

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