A experiência do primeiro longa-metragem
Sobre as ansiedades e dificuldades do 1º longa
Por Luiz Joaquim | 12.04.2015 (domingo)
Na edição 48 (de 1988) da revista “Filme Cultura” – dedicada aos novos realizadores daquela década – é resgatado uma preocupação que atormentava Cacá Diégues em 1978. O diretor de “Bye Bye Brasil” (1979) se perguntava, então: “Onde estão os jovens cineastas deste País?”. Cinco anos depois o cenário já era outro. Contávamos, até 1983, com 30 novos diretores (todos da região Sudeste/Sul), estreando em seu primeiro longa-metragem. Em 2015, com tanta evolução, facilidade e acessibilidade tecnológica, fazer cinema já não é tão restritivo, possibilitando o aparecimento a cada instante de novos realizadores em todos os lugares do País.
Mas, as condições de realizações desses primeiros longas-metragens, suas dificuldades, ansiedades e processos criativos parecem não ter mudado tanto de lá pra cá. Em todos os casos, no passado e hoje, o que predomina é o entusiasmo e determinação. Há também uma prática que ajuda com os bons resultados alcançados. Diz respeito às experiências adquiridas fazendo curtas-metragens, participando de outras produções como assistente de produção, direção, montagem, e por aí vai.
Trabalhando para lançar comercialmente no segundo semestre “Permanência”, seu primeiro longa-metragem que assina como diretor, Leonardo Lacca conta que, até chegar a assumir essa responsabilidade, aprendeu muito trabalhando e observando no set de filmagens de colegas.
“Vinha trabalhando meu projeto há mais de quatro anos em paralelo com Eles Voltam, de [Marcelo] Lordello e Animal Político, de Tião. Todos esses filmes foram feitos com muito pouco dinheiro e, assim, algumas questões artísticas precisam ser revistas em função do financeiro. Quando parti para rodar Permanência, mesmo com pouco dinheiro, ao menos já tínhamos um plano de nossas possibilidades muito bem desenhado e, de certa forma, estive numa posição mais confortável que eles”, relembra Lacca.
Para Camilo Cavalcante – cujo primeiro longa “A História da Eternidade” está hoje em cartaz em algumas poucas salas do Brasil – a experiência foi também intensa mas sob controle, por motivos parecidos ao de Lacca. “Passei muito tempo para fazer o longa, mas pratiquei antes com muitos curtas-metragens. Dese modo, o set era um lugar com o qual já estava familiarizado. Lá fui aprendendo a lidar com as ansiedades naturais dali. Fazer um longa significa tomar muitas decisões o tempo todo, e a tranquilidade é algo necessário. A pressa e o nervosismo certamente influenciam no resultado”, vaticina.
Assim como Camilo, Kleber Mendonça Filho, que estreou num longa de ficção – “O Som ao Redor” (2012) – fazendo dele um dos mais premiados e respeitados do contemporâneo cinema brasileiro, soube aproveitar a experiência e tranquilidade para se comportar no set de filmagem. “Não pensava na feitura do longa como algo tão diferente da de curtas. Pensava mais como algo que tinha de fazer bem feito.Era o mesmo pensamento para os filmes anteriores. Para o próximo filme não vou pensar em outra responsabilidade que não seja a de fazer dele o melhor”, adianta.
Na verdade, alguns aspectos costumam naturalmente mudar de um produção a outra, obedecendo, evidentemente, à natureza da produção. Quando fala do primeiro longa-metragem que assinou a direção sozinho – “Pacific” (2009) -, Marcelo Pedroso nem faz tantas relações com seu longa posterior – “Brasil S/A” (2014).
“Foram procedimentos diferentes. No primeiro, trabalhei com foundfootage [filmes realizados e obtidos de terceiros], e a tensão era se o que eu tinham ia render algo interessante. Já no Brasil S/A, reunimos muito gente, tínhamos pouco tempo para filmar, e trabalhávamos com variáveis que podiam nos escapar o controle, como cinco retroescavadeira, chuva, terraplanagem, trânsito, uma bandeira gigante de 15 metros. Tinhamos muito a executar e o erro não podia acontecer, pois não tínhamos dinheiro para [pagar o aluguel de] diáras extras. A grande tensão aqui era fazer acontecer e realmente fazer dar certo”, compara Pedroso.
NA TELA – Antes de entrar em cartaz comercialmente nos cinemas, “Permanência”, de Leonardo Lacca, poderá ser visto na mostra competitiva do 19ª Cine-PE, que inicia 2 de maio no cinema São Luiz. “Permânencia” também já foi visto nos festivais Janela Internacional de Cinema, no Festival do Rio, na Mostra de SP, no Internacional da Fronteira (em Bage) e em Porto Alegre.
O eterno desafio da distribuição
Com experiência ou não, parece haver uma preocupação que nunca deixa os realizadores em paz. Diz respeito àquele momento em que o filme já está pronto, já passou pelos festivais e próximo passo é acessar o mercado exibidor para atingir os mais variados públicos.
“Nesse quesito temos um trabalho realmente difícil. As estratégias de lançamento são estressantes”, diz Leonardo Lacca. “E quando não temos experiência não há o que fazer a não ser contar com a opinião externas e trocar informações com seus colegas”.
Camilo Cavalcante – cujo bom “A História da Eternidade” atingiu o pequeno publico de cerca de 11 mil espectadores em quase dois meses em cartaz – diz que já escutava os amigos lhe adiantando sobre as dificuldades do mercado exibidor no Brasil para filmes de autor. “Mas quando você sente na pele, vê que é muito pior do que falam. O mercado parece uma corporação que faz questão de excluir esse tipo de cinema de seu cardápio, dentro de seu próprio País, dentro de seu próprio Estado. Você quase precisa mendigar. Dá a sensação de que participamos de uma guerra de cartas marcadas”, lamenta o diretor.
Para Pedroso, a preocupação de fazer seu filme chegar ao espectador é constante. “O tamanho dessa ansiedade não está vinculada à quilometragem do cineasta. Isso não é algo que deve ser acomodado, caso contrário não há sentido no investimento que você aplicou quando você produziu seu filme”, pontua.
Lacca lembra que aqui no Estado há pelo menos o alento de se poder contar com o apoio do Programa de Fomento à Produção Audiovisual de Pernambuco para a etapa específica de lançamento do filme. “É reconfortante saber que, de alguma maneira, seu trabalho vai chegar ao público. É um privilégio muito local pois, em outros lugares, produtores não possuem nem a verba mínima para fazer a distribuição”, finaliza.
Já Kleber Mendonça Filho tem em seu “O Som ao Redor” um também bom exemplo de sucesso pelo lançamento comercial, quando alcançou cerca de 100 mil espectadores, mesmo tendo estreado inicialmente apenas em oito salas de cinema em todo o País. Sua produtora/distribuidora também investiu numa alternativa inteligente de disponibilizar o filme pelo iTunes, abarcando uma outra janela moderna, rentável e de alto alcance no campo da exibição.
BILHETERIA – Até a semana passada os números da bilheteria de “A História da Eternidade”, de Camilo Cavalcante, somavam 10.115 espectadores em todo o Brasil, dos quais 4.562 deles foram contabilizados apenas no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, onde o filme segue em cartaz com uma sessão hoje (12/04/15) às 14h10.
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