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Críticas

Permanência

Ivo, o estrangeiro

Por Luiz Joaquim | 28.05.2015 (quinta-feira)

Ivo não tem uma família tradicional. Ivo tinha um amor. Ivo talvez tenha uma cidade. Seria Ivo um estrangeiro de sua própria vida? Ivo é vivido por Irandhir Santos em “Permanência” (Bra. 2015), primeiro longa-metragem dirigido pelo cineasta Leonardo Lacca, da produtora pernambucana Trincheira Filmes.

É um belo debut, este de Lacca. Fechado o suficiente para resumir numa sinopse curta – fotógrafo pernambucano viaja a São Paulo para sua primeira exposição individual e hospeda-se na casa da ex-namorada, hoje casada -, e aberto o suficiente para que qualquer espectador que já tenha amado alguém na vida (e tenha perdido esse amor por uma razão qualquer) possa se reconhecer.

Como argamassa que sustenta a concretude do enredo com as sutilezas do reencontro entre os hoje quase estranhos Ivo e Rita (Rita Carelli) está o talento do olhar de Lacca ao retratar um casal cuja tensão amorosa entre eles parece densa o suficiente para ser cortada por uma faca.

Para tornar a íntima tragédia de Ivo e Rita visível aos nossos olhos, Lacca desenha com as lentes do diretor de fotografia Pedro Sotero traços suaves, que dão uma ideia da dor interna que aflige os dois enquanto Ivo permanece em São Paulo.

Entre o arquiteto pragmático que é o marido Mauro (Silvio Restiffe) e o analógico fotógrafo pernambucano que não usa smartphone para se comunicar e ainda usa filme para fotografar, Rita sofre a dor de reviver quem um dia ela já foi no Recife e quem ela poderia ser hoje se tivesse permanecido ao lado de Ivo. No filme, concretamente, a própria Rita vê sua identidade de dissipar pelo reflexo no espelho do banheiro.

Do lado de Ivo, ouvir o recado da atual namorada pela secretária eletrônica do celular enquanto observa à distância a delicadeza de Rita na cozinha separando verduras é o suficiente para fazer seu rosto enrubescer e uma lagrima rolar pelo pesar de enxergar toda a beleza que um dia lhe foi tirada para sempre de sua vida.

E há, ainda, sugestões puramente cinematográficas de Lacca e Sotero como quando mostram as linhas no vidro da janela do carro que levam os olhos e a boca de Rita até o rosto de Ivo; sem falar na “fantasma” com o qual Ivo reflete no avião de volta à terra natal.

Dessa forma, “Permanência” não é sobre o que o acontece, mas sobre o depois, ou sobre o que ficou do que aconteceu, como anuncia o próprio título da obra.

A frente dessa íntima tragédia, Irandhir aparece com seu habitual talento para a contensão e Carelli surge como uma muito bem composta personagem. A atriz, no caso, empresta a constante gravidade e o pesar em seu olhar, além da delicadeza de seu corpo, para ilustrar o tamanho da fragilidade da Rita personagem. Um fragilidade que Ivo gostaria de cuidar, de se reconectar a ela, mas não pode. Daí a tragédia.

SOTAQUE – Um “senão” narrativo acomete “Permanência”. No exercício de fortemente registrar quase que um código linguístico dos nativos pernambucanos como forma de identidade – com expressões como “gaia”, “danôsse”, “massa”, “fuleragem” – tais expressões, apesar do talento do casal protagonista, parecem soar deslocados em algumas situações.

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