Para os poucos que ainda questionam o valor artístico da moda, uma boa dica para iniciar uma reflexão sobre o assunto é conhecer o livro “Ronaldo Fraga: Caderno de Roupas, Memórias e Croquis” (Editora Cobogó, 316 págs., R$ 120) que estará sendo relançado às 19h desta terça-feira na Livrara Cultural do Paço Alfândega.

A nova edição vem revisada e ampliada em relação a original, de 2013, que esgotou em apenas 45 dias. “Num primeiro momento a editora imaginou que o livro seria procurado apenas por profissionais da moda, mas não foi o que aconteceu. Designers e curiosos pelo assunto se interessaram, inclusive crianças, que chegavam na livraria olhando os desenho e queriam levar o livro”, relembrou por telefone o celebrado estilista mineiro que está em João Pessoa trabalhando numa nova e secreta coleção de inverno.

“O sucesso da primeira edição acabou sendo uma surpresa, mas também entendemos que a ideia do desenho para um estilista não é mais um problema. Hoje computadores te dão boas ferramentas para o seu trabalho. Importa aqui o seu traço. É isso que dá um estatuto ao teu trabalho. Uma identidade”, contextualiza.

Para o novo volume, Ronaldo fez questão de modificar detalhes editoriais para deixá-lo ainda mais atrativo. “Mudamos a capa, e mudamos o tipo do papel. Antes as cores eram mais lavadas, o papel mais poroso. Agora temos um papel couché especial, com uma melhor textura, que também mostra as cores mais vivas”, adianta. “De qualquer forma, gostamos também da ideia que preservar a primeira edição com características próprias para que ela seja lembrada como uma edição rara, de colecionador”.

Esta edição dois mantém ainda o conteúdo da brochura original, com seus estudos, pesquisas, temas e ideias que serviram como referência na construção das coleções inspirados na China, Disneylândia, nas viagens de Gulliver e no escritor Mario de Andrade. O que há de inédito no livro reside nos detalhes de cinco temas que foram desenvolvidos pelo estilista nos últimos anos.

Elas são inspiradas nos traços de Cândido Portinari; na cultura do sertão brasileiro – que rendeu a coleção “Carne Seca; no livro “Ô fim do cem, fim”, do mineiro Paulo Marques de Oliveira; na figura mitológica da cidade de Salinas (MG) – que desdobrou na coleção “Cidade Sonâmbulo”; e sobre o futebol de várzea, que em 2013 causou polêmica no São Paulo Fashion Week quando colocou as modelos para desfilar com palha de aço como perucas. “Cada coleção é uma polêmica”, diverti-se ao lembrar.

O livro ainda mantém registrados os estudos de coleções inspirada em personagens como Zuzu Angel, Nara Leão, Lupicínio Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Pina Bausch, Athos Bulcão, além da séria dedicada à cultura em torno do Rio São Francisco.

Com textos sobre o estilista e sua obra assinados pela consultora de moda Costanza Pascolato, pela jornalista Regina Guerreiro e pela pesquisadora Cristiane Mesquita, a obra também traz, ao lado de seus desenhos, pequenas anotações sobre as coleções. “As anotações vem de uma espécie de diário particular que produzo ao longo dos cinco meses que trabalho antecedendo o lançamento de cada coleção”, diz.

“E isso é interessante de mostrar porque é nesse momento, no desenho, que o estilista está realmente sozinho. Eu só abro meu caderno para os outros profissionais quando metade do processo já andou. Meu grande prazer é produzir um caderno. Não comprá-lo pronto. Acho também que, do ponto de vista da formação, [o livro] é bastante válido para os jovens profissionais. Quando eu era estudante nos anos 1990, não havia publicações nesse sentido. Hoje já começamos um caminho e pode-se acompanhar os vestígios de como surge a criação de uma coleção”, finaliza.

CRÍTICA – Nas palavras da crítica especializada, Ronaldo Fraga “tem um jeito de pensar suas coleções a partir da pesquisa de temas inerentes à cultura brasileira e seus personagens mais interessantes. Ele constrói um universo se utilizando da nossa tradição na moda e na costura e engendrando um modo peculiar de construir suas roupas, estampas e desenhos. E seus desenhos, que é por onde tud