A dama do glamour livre
Ingrid Bergman, 100 anos
Por Luiz Joaquim | 29.08.2015 (sábado)
Era 3h30 da madrugada de um domingo em 1915 na capital sueca, Estolcomo, quando a alemã Fried Henrietta deu a luz à filha de seu marido, o fotógrafo sueco Justus Samuel Bergman. A menina, que recebeu o nome de Ingrid, perderia a mãe dois anos depois e, aos 12, não teria mais o pai e passou a ser criada por um tio idoso. Mas o artista e boêmio Justus deixou como legado para a pequena Ingrid Bergman o amor pelo teatro e já ali começava a ser moldada aquela que seria uma das mais cobiçadas atrizes de Hollywood nos anos 1940.
Mesmo antes de terminar o curso de teatro na Real Escola de Arte Dramática de Estocolmo, a menina foi descoberta por um caçador de talentos e estreou no cinema, mas sem constar nos créditos, em “Landskamp”. Tinha 17 anos. A experiência deu uma reviravolta em sua vida. Em apenas dois anos, Ingrid cresceria no critério dos diretores suecos cada vez mais não apenas pela sua beleza versátil, mas também pelo seu profissionalismo. Estreou, agora com destaque, em nada menos de dez longas-metragens de seu país em apenas três anos.
Era a época – logo após a 1ª Guerra Mundial – em que Hollywood começou a importar talentos da Europa e, àquela altura, a linda atriz sueca já havia conseguido destaque mundial por “Intermezzo” (1936), como a professora de piana Anita, que desestabiliza o estável casamento de um famoso violinista. Foi exatamente por este personagem que Bergman estreou no cinema americano. Na refilmagem homônima de 1938, Bergman já começava ao lado do conceituado ator Leslie Howard, ele no papel do violinista.
Daí por diante, Ingrid começa a construir uma carreira que lhe traz muito respaldo exatamente pela combinação de sua beleza, elegância, talento, profissionalismo. Começou ali a ser lembrada por produtores e diretores com a “atriz de glamour livre”. Assim a chamavam por Bergman conseguir assumir com o mesmo vigor tanto mulheres simples, como sofisticadas. Tanto ricas, como humildes. E sempre emprestando contundente veracidade.
Em 1942, ela viria a fazer par com a mais alta estrela masculina de então, Humphrey Bogart, naquele que seria seu filme icônico: “Casablanca”, de Michael Curtz. A combinação do cenário exótico do Marrocos no início da 2ª Guerra, onde vive um amargurado norte-americano (Bogart) que disponibilizado passaporte para fugitivos e ali reencontra, já casada, aquela que foi o amor de sua vida (Bergman) atingiu em cheio o coração das plateias de cinema no mundo inteiro e ainda hoje – seis décadas depois – é cultuado por milhares de fãs. “Casablanca” concorreu a oito Oscars (nenhum deles para atriz) e levou três: filme, direção e roteiro.
A sueca, entretanto, só viria a ser lembrada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográfica de Hollywood pelo filme que estrelou no ano seguinte, ao lado de Gary Cooper. Era a adaptação do livro de Ernest Hemingway, “Por Quem os Sinos Dobram”. A estatueta dourada chegaria as suas mãos, porém, com “À Meia-luz” (1944), de George Cukor, quando interpreta a ingênua Paula que muda-se com o misterioso marido para a casa de um tia que ali faleceu há alguns anos. Logo depois, foi levada a atuar com o prolífero, e ainda não considerando gênio, Alfred Hitchcock em “Quando Fala o Coração” (1945), ao lado de Gregory Peck, e também em “Interlúdio” (1946), com Cary Grant.
Ao longo da carreira, Ingrid Bergman concorreria mais cinco vezes ao Oscar, dos quais levaria dois. Por “Anastácia” (1957), de Anatole Litvak, e 18 anos depois como coadjuvante por “Assassinato no Expresso Oriente”, de Sidney Lumet.
De uma maneira que sempre deixou seus fãs intrigados, Ingrid só viria a atuar em um filme de seu mais famoso conterrâneo no campo do cinema – o diretor Ingmar Bergman – em 1978. Já lutando contra um câncer nos seios, diagnosticado em 1976, ela aparece aos 62 anos em “Sonata de Outono”, que viria a ser o último filme no qual atuaria para o cinema.
Como a dura pianista Charlotte, uma mãe ausente por anos que retorna à casa da filha (Liv Ullman) e reencontra a outra filha (Lena Nyman) com problemas mentais, Ingrid mostra mais uma vez sua versatilidade compondo uma mulher assustadora sob o ponto de vista dos conflitos com as filhas. Pelo filme, concorreria ao Oscar, mas perderia para Jane Fonda por “Amargo Regresso”.
Em 1982, na mesma data que nasceu, viria a morrer aos 67 anos. Seguiu os últimos seis anos tratando a doença, tendo feito duas mastectomias, mas dizia que nunca se entregaria ao câncer e continuaria a beber sua bebida preferida, o champanhe, e a fumar. Está no Norra Begravningsplatsen, um dos maiores cemitérios de Estocolmo.
Coragem, preconceito, desafios
Aos 22 anos, Ingrid Bergman era uma concorrida atriz na Suécia. Foi nesse momento que casou-se, em 1937, com Petter Lindström. Da união nasceu a filha, Pia. Mas, 12 anos depois, já uma estrela internacional, conheceu o diretor italiano Roberto Rosselini com quem há muito desejava trabalhar. Por ele se apaixonou durante as filmagens de “Stromboli” (lançado em 1950) e ali engravidou do primeiro dos três filhos que teria com o cineasta.
Decidida a viver o amor de sua vida, deixou sua família, ação igualmente tomada pelo também então casado Rosselini. A decisão custou caro. Ingrid foi acusada de adultério e de “mau exemplo para as mulheres norte-americanas” e por isso obrigada a deixar os Estados Unidos. Na Europa, além de trabalhar com Rosselini, filmou com Jean Renoir (“Estranhas Coisas de Paris”, 1956).
Com Rosselini teve ainda as gêmeas Isotta Ingrid e Isabella Rosselini – também uma reconhecida atriz. Viveu ao lado do italiano até 1957, quando se divorciaram. No ano seguinte uniu-se a Lars Schmidt com quem viveu até 1975.
STROMBOLI – O encontro amoroso que mudou a vida de Ingrid Bergman, com Roberto Rosselini, aconteceu na feitura de um filme que justamente fala de uma mulher de espírito livre. Bergman é Karen, que se casa com um pescador modesto para deixar o campo de concentração na Itália. Ao mudar-se para uma deserta ilha mediterrânea, a mulher moderna e madura entra em conflito com a população tradicionalista do lugar e tem um final trágico no vulcão que dá nome ao filme, “Stromboli”.
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