48o Brasília (2015) – Big Jato
-Big Jato- e a formação de um jovem poeta
Por Luiz Joaquim | 21.09.2015 (segunda-feira)
BRASÍLIA (DF) – Eram duas as expectativas em torno da estreia de “Big Jato”, o quarto longa-metragem de Cláudio Assis que teve sua primeira exibição pública no sábado (19) durante a competição do 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
A primeira era a natural tensão que cerca os artístas ao revelar pela primeira vez ao mundo sua criação, sempre íntima. Já a segunda residia na informação que circulava nos bastidores do festival a respeito de uma manifestação que estava sendo articulada na Capital Federal para acontecer durante a sessão do filme no Cine Brasília.
O motivo do protesto residia numa indignação relacionada ao comportamento dos diretores Cláudio Assis e Lírio Ferreira três semanas antes, no último 29 de agosto, durante um debate com a cineasta Anna Muylaert sobre seu filme “Que Horas Ela Volta?” no Cinema do Museu do Homem do Nordeste, no Recife.
De fato, o protesto aconteceu em Brasília e ele configurou-se no momento em que Assis foi chamado ao palco. Após várias tentativas sem êxito em tentar apresentar sua equipe – uma vez que sua fala era abafada por uma longa e sonora vaia, incluindo constantes gritos acusatórios de “machista” -, o ator Matheus Nachtergaele assumiu o microfone e convocou o elenco infanto-juvenil de “Big Jato” para ressaltar que aquele era o primeiro voo dos meninos no cinema e que “isso fez toda a diferença para a equipe e para o filme”.
“Acho que a gente pode vaiar nossos horrores e a gente pode aplaudir nossas maravilhas”, disse também Matheus ganhando a plateia. Cláudio – que vestia uma camisa amarela com as palavras “Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais & Transgêneros” – voltou a pegar o microfone mas, novamente sob vaia, quase não foi ouvido ao dedicar a sessão ao cineasta Vladimir Carvalho, presente no auditório, e a sua própria mãe: “uma mulher nordestina, trabalhadora e guerreira”, disse.
“LET IT LIE”
Ao final da sessão de “Big Jato”, o público do festival mostrou saber separar as questões relacionadas ao protesto da beleza que constatou em “Big Jato”, com efusivos aplausos.
A crítica especializada em Brasília, entretanto, mostrou-se dividida. Enquanto muitos enxergam uma força na capacidade de Cláudio em conseguir forjar um cinema com um discurso forte e virulento mesmo para o universo juvenil – o do poeta em formação Chico (o ótimo Rafael Nicácio, do curta “Sem Coração”) -, outros acreditam que “Big Jato” carece de coesão narrativa.
Adaptado por Hilton Lacerda e Ana Carolina Francisco a partir livro homônimo de Xico Sá, o enredo nos leva ao fictício município sertanejo de Peixe de Pedra. A lente do diretor de fotografia Marcelo Durst (o mesmo de “Soneto do Desmantelo Blue”, segundo curta de Assis, de 1993) está interessada nas mutações pela qual passa o menino Chico que apaixona-se pela primeira vez por uma menina mais velha (Pally Siqueira) e divide sua admiração entre o pai bruto, chamado de Velho (Nachtergaele) e o tio libertário Nelson (Nachtergaele como gêmeo do Velho).
“Muitos me perguntaram como foi fazer estes dois papeis. Eu digo que eles são os dois lados do mesmo ziper. Enquanto o velho é tradicionalista, fiel, digno, Nelson é vaidoso, libertário e anarquista. E nessa fábula da formação de um homem, de um poeta, que é o Chico, ele, o menino, é o fecho que junta essas duas partes que lhe influenciam”, comparou Nachtergaele em entrevista coletiva na manhã de ontem.
Chico vive dividido entre os ensinamentos duros e pragmáticos da vida que o Velho lhe impõe enquanto limpa a fossa das casas de Peixe de Pedra e os estímulos do lado doce da vida que o tio Nelson lhe propõe para se libertar. Nelson é um radialista local que diz conhecer a real razão do sucesso dos Beatles: uma banda local chamada Os Betos, com o lider sendo interpretado pelo cartunista e chargista Lailson.
Uma das propostas para essa libertação é a de que Chico deixe Peixe de Pedra para trás. Lugar onde as pessoas se fossilizam esquecendo de seus sonhos. Nesse aspecto, a imagem do jovem sertanejo em formação que sonha em ganhar o mundo encontra semelhança com a adolescente Alfonsina, de “A História da Eternidade” (2014), de Camilo Cavalcante. Ela também divide-se entre a opressão do pai e a poesia do tio. Este a alimenta em sua ambição de conhecer o mar.
Analogias óbvias também foram levantadas entre “Big Jato” e “Febre do Rato” (2012), uma vez que seus protagonistas são poetas. Semelhanças temáticas à parte, “Big Jato” parece abrir uma nova paleta de emoções na filmografia de Assis, que não são necessariamente mais amenas do ponto de vista da provocação pela liberdade, mas soam mais suaves pelo aspecto agregador da família, como a instituição sagrado que é.
A família é um dos focos aqui. E com seres-humanos em formação – além de Chico, há os irmãos adolescentes Jorge (Vertin Moura), David (Artur Maia) e a pequena Maria Helena (Clarice Fantini) –, a figura materna interpretada por Marcélia Cartaxo é fundamental nesse processo. Assim como a d’O Princípe (Jards Macalé), uma espécie de louco da cidade, que aparece para Chico como um orientador sobre as delicadezas e as torturas do amor.
*Viagem a convite do Festival
PROJETOS – Natural de Arcoverde, a atriz e artista plástica Pally Siqueira, 23 anos, revelada em “Big Jato”, já recebeu, segundo Marcélia Cartaxo, proposta para trabalhar em uma produção da tevê Globo.
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