48o Brasília (2015) – crise financeira
País passa por uma crise financeira. E como o cinema será afetado?
Por Luiz Joaquim | 20.09.2015 (domingo)
BRASÍLIA (DF) – Centro do poder brasileiro, a Capital Federal do País teve como pauta principal nesta semana o corte de R$ 26 bilhões em seu orçamento, anunciado terça-feira (15). A cidade é também, nesta semana, a capital do audiovisual realizando a 48ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro até terça-feira (22). Concentrando nomes fundamentais da atual produção nacional, o festival também virou palco de questionamentos sobre o futuro da categoria diante de uma crise que não poupa ninguém.
Considerando que quase em sua totalidade a produção cinematográfica e e seus eventos derivados são subsidiados por recursos estatais, parece não haver alternativa a não ser adaptar-se à limitações impostas pela conjuntura econômica. O próprio Festival de Brasília sofreu um corte de cerca de 3/4 de seu orçamento original para a realização desta edição.
Com formação em economia, o empresário Alfredo Bertini, da Bertini Produções e Eventos (responsável pelo Cine-PE), diz que estava alerta para esse momento, que classifica como “limite do limite”, e se diz extremamente preocupado.
“O que vejo, entretanto, é mais uma crise política que econômica. O mercado está desconfiado. A receita não aumenta. Cria-se um deficit e então anunciam-se os cortes e aumento de impostos. Mas é preciso mudar estruturalmente. Precisamos de alguma liderança que consiga fechar a equação vislumbrando tanto os programas sociais, que foram importantes , quanto os conflitos de interesses do empresariado, que não aguenta mais novas taxas”, analisa.
O baiano Cláudio Marques, presente no Festival como júri de longas-metragens – e premiado aqui em 2013 pelo filme “Depois da Chuva”, co-dirigido com Marília Hughes – também entende que o momento é mais delicado no quesito político.
“Vivi a juventude nos anos 1980 e 1990 e o cenário econômico era muito mais duro que o atual. Mesmo com a crise hoje, ainda estamos numa situação melhor. Hoje não vivemos a neura daquele discurso neo-liberal de que o mercado resolveria tudo”, relativiza.
Marques explica que há recursos hoje e Marília complementa assumindo que a categoria não deve sentir culpa pelos recursos que recebe do Governo. O casal lembra que a construção civil, e os bancos e outras entidades muito bem estruturada financeiramente recebem constante suporte estatal.
“O que precisamos é de uma regulamentação que avalie os produtos financiados. A França é um bom exemplo nesse aspecto. Se o realizador não faz seu trabalho circular nos lugares mais importantes do mundo e em seu próprio País, o financiamento para seu próximo projeto é reavaliado”, diz Marques.
RECURSO ZERO – Fruto de um cenário que inicialmente não oferecia condições de suporte financeiro, o pernambucano Marcelo Pedroso – por aqui como júri dos curtas-metragens em competição, e premiado com “Brasil S/A” em 2014 – vê a atual situação por dois primas.
“É claro que o cinema subsidiado limita. Depende de um dinheiro que não é da indústria, mas o cinema de perfil comercial também é atingido pela crise. Apesar de parecer perniciosa essa ligação com o Estado do cinema que fazemos, ele é legítimo. Os editais são públicos e tudo é justificado. Mas sim, outros mecanismo poderiam ser acionados como mais uma alternativa”, reflete.
Uma possibilidade apontada por Cláudio Assis, que exibiu ontem em Brasília seu novo filme, “Big Jato”, está no exemplo que recorda dos 1980/1990, quando uma legislação obrigava a exibição de curtas-metragens nos cinemas e um percentual da renda nos cinemas voltava para o produtor. Pedroso complementa exemplificando com um projeto mais recente, o DOC-TV. Com recursos de R$ 100 mil para a produção de um documentário, 25% eram retornáveis para a criação de um fundo de financiamento.
“Uma ação urgente também é a criação de cinemas populares, como foi o Cineteatro do Parque, a R$ 1”, destaca Assis. “A população precisa se senti r dona dos filmes, mas para isso eles precisam ter acesso a estes filmes. As obras precisam chegar na Bomba do Hemetério, no Alto de Santa Isabel , e esta deve ser uma política pública constante”, vaticina.
Marques, entretanto, ressalta que a solução não é tão simples assim. “Tenho a sensação de que passamos por um década de bonança financeira mas não soubemos aproveitá-la plenamente. É verdade que investiu-se muito na produção de filmes e a difusão ficou escanteada mas há algo mais complexo aí. Temos um cinema vigoroso sim. Isso reflete-se em reconhecimento no exterior, mas não aqui. O problema não se resume apenas a não ter tela. Não temos espectadores. E isso é uma realidade porque não se vê filmes nas escolas. Não fomos educados a consumir livros, cultura enfim. A fome por cultura é mal estimulada”.
Marques fala com a propriedade de também ser o empresário que desenvolveu e coordena as salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, em Salvador. A propósito, com o Cineclube Glauber Rocha, estes são seus únicos empreendimentos (Marques e Hughes ainda promovem anualmente a mostra “Panorama Internacional Coisa de Cinema”) que não estão à merce de recursos públicos.
FUTURO – Neste 2015, ao realizar o 19º Cine-PE, Alfredo Bertini já optou por criar um sistema de cotas de patrocínio por pessoa pública, e não apenas jurídica, o que lhe surpreendeu no resultado e lhe apontou para uma alternativa de financiamento nunca antes cogitada.
“Importante alertar que a produção audiovisual que chega hoje à público é resultado de investimentos feitos há um ano ou dois anos. O reflexo desse momento crítico atual deverá ser visto em 2016 e ainda em 2017”, pondera, reforçando que o que se precisa são de políticas públicas e não de apenas uma política de financiamento. “Caso contrário ficamos vulneráveis. Complicando até a busca pelo investimento privado”, encerrou.
RECESSO – Cláudio Marques e Marília Hughes contam que o Governo do Estado da Bahia não irá disponibilizar em 2015 os habituais R$ 6,5 milhões de recursos anuais para a produção audiovisual local.
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