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Ponte dos Espiões

Spielberg volta a espionagem com a Guerra Fria ao fundo

Por Luiz Joaquim | 22.10.2015 (quinta-feira)

Um cineasta não se chama Steven Spielberg à toa. E ele parece querer brincar com o espectador com a brilhante sequência de abertura de “Ponte dos Espiões” (Bridge of Spies, EUA, 2015), o mais novo filme sob sua direção estrelada por Tom Hanks. A brincadeira consiste em apresentar um personagem chave na negociação que levará o advogado James (Hanks) a negociar com a então URSS em 1957 – auge da Guerra Fria.

O personagem é o veterano espião russo Abel (Mark Rylance, hipnótico, cheirando a oscar coadjuvante) e, na abertura, a direção de Spielberg parece até se impor ao roteiro, mesmo sendo primoroso como é, por ter sido reescrito pelos Irmãos Joe e Ethan Coen a partir do original de Matt Charman por conta de uma história real. Na abertura, O pai do “E.T.” e do “Indiana Jones” apresenta aquele que seria o grande vilão da Guerra Fria como um homem calmo e sensível.

A partir de um plano em que o escuro dá espaço para a luz de um perfeito autoretrato que Abel pinta em seu pequeno apartamento na Brooklyn de 1957, Spielberg nos deixa saber, sem nenhum diálogo, ou música, exatamente quem é o que representa aquilo que Abel faz. Espionar o governo norte-americano no momento de maior paranóia de segredos militares visto até então naquela nação.

Capturado, Abel tem direito a um julgamento decente. Faz parte da política propagandística do governo americano. E é aí que James, na verdade um advogado especializado em seguro, entra no circuito. Obrigado a defender o reú, o advogado termina por criar uma empatia por Abel, inimigo número dos EUA pela ótica do americano médio. Empatia, aliás, que já foi sugerida ao espectador pela bela sequência da abertura.

Vítima de preconceito por fazer bem seu trabalho e por indignar-se com “jeitinhos”, James sofre na pele ao lado da família. Um dos momentos aqui mais “spielberguianos” está exatamente no ataque sofrido pela família do advogado, com sua filha vendo tevê e a ação violenta entrando pela janela. Com cortes rápidos e closes em rostos amedrontados, a sequência remete mesmo a “Tubarão” (1975)” e ao humorado “1941: Uma Guerra Muito Louca” (1979).

Anos depois, James tem a chance de voltar a ajudar a nação, e novamente conectado a Abel. O trabalho consiste numa negociação de troca entre o espião russo e dois americanos. Um sob o domínio da URSS e o outro sob controle da República Democrática Alemã (RDA), então controlada pelos soviéticos. Nesse processo, “Ponte dos Espiões” nós dá perspectivas pouco visitada pelo cinema norte-americano, que são as do governo soviético e o da alemã-socialista.

Por exemplo, aquilo que se espera ser a loucura que é erguer um muro cortando uma cidade ao meio entre o capitalismo e o socialismo, no caso Berlim, em 1961, é muito bem representado com uma dramaturgia interessante e tensa pela situação do estudante americano Pryer (Will Rogers), fazendo um mestrado na Berlim Oriental e impedido de atravessar o muro durante sua construção.

O único senão neste “Ponte dos Espiões” é o mesmo que aparece nos filmes de Spielberg desde “A Lista de Schindler” (1993), quando o cineasta anuncio que dedicaria-se mais aos “filmes adultos”; ou seja, uma dose açucarada na sequência final. Até certo ponto próximo ao fim, “Ponte dos Espiões” poderia ficar como um belo filme sobre não prestar atenção aos que os outros dizem, se você faz seu trabalho bem feito. Mas termina quase com um videoclipe sobre como essa terra, os EUA, é a terra da liberdade. Certo, ok.

TRILHA SONORA – “Pontes dos Espiões” é o primeiro filme de Steven Spielberg, desde A Cor Púrpura (1985), com a trilha sonora que não é de John Williams. Quem assina aqui é Thomas Newman, que substituiu Williams por problemas de saúde.

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