8º Janela (2015) – Amigos de Risco
Voltando para casa
Por Luiz Joaquim | 10.11.2015 (terça-feira)
É bastante raro, mas às vezes acontece da re-exibição de um filme numa sala de cinema conter toda uma significação ainda mais potente do que aquela original, quando foi exibida pela primeira vez em sua cidade. Das 114 sessões que o 8º Janela Internacional de Cinema do Recife programou – e mesmo tendo 19 clássicos em sua grade de exibição – apenas uma destas entre todas as sessões guarda tal força. Ela acontece unicamente hoje, às 19h15, no cinema São Luiz para o filme “Amigos de Risco” (2007), de Daniel Bandeira.
Para entender esta potência chamada “Amigos de Risco” (ADR) – que foi reprimida por oito anos e hoje ganha um novo oxigênio de vida – é preciso resgatar o percurso interrompido desta obra que quando surgiu, em 2007, desvelava ao Brasil aquela que viria ser a próxima geração de realizadores pernambucanos após o já reconhecimento de Paulo Caldas, Lírio Ferreira, Cláudio Assis e Marcelo Gomes.
Naquele ano, Daniel Bandeira chegava, aos 28 anos de idade, com ADR na mostra competitiva do mais influente festival nacional, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Em sua 40ª edição, o evento e a imprensa nacional recebia Bandeira com a mesma curiosidade que recebera Caldas e Ferreira 11 anos antes com “O Baile Perfumado”. Na Capital Federal, o então jovem realizador iria concorrer com monstros da cinematografia brasileira, como Júlio Bressane (“Cleópatra”) e Carlos Reichenbach (“Falsa Loura”), com este último tornando-se um admirador do filme pernambucano.
O desconhecido cineasta, assim, funcionou como uma espécie de abre alas para toda uma geração que vivia na incubadora de iniciantes talentos chamada “Pernambuco”; e que viria fabricar instigantes longas-metragens de ficção. Seguindo a trilha aberta de Bandeira ganhariam, logo depois, a atenção do mundo inteiro gente como Gabriel Mascaro, Marcelo Pedroso (estes, à época, sócios de Bandeira na Símio Filmes com Juliano Dornelles), Kleber Mendonça Filho, Leonardo Lacca, Marcelo Lordello, Leonardo Sette, Daniel Aragão e Camilo Cavalcante,
Fruto de mais de três anos de trabalho com um dinheiro mínimo, inicialmente calculado apenas para um curta-metragem, ADR foi rodado em outubro de 2005 sendo também concebido de forma audaciosa no quesito técnico. Foi captado em Mini-DV, com resolução de 720 x 480 pixels (a mesma de um DVD). Uma tecnologia que, à época, era vista com desconfiança para o cinema pela sua textura ainda muito abaixo daquilo que a película (então dominante), podia proporcionar.
Fotografado por Pedro Sotero – que depois faria as imagens vistas em “O Som ao Redor” e “Casa Grande”, entre outros -, ADR incorporou a própria limitação técnica da câmera que foi usada para criar o aspecto impuro do ambiente onde transitam os três protagonistas do filme, ou seja, as ruas sujas do Recife numa madrugada reveladora. Mas, as projeções nos cinemas do Brasil em 2007, à proposito, eram predominantemente feitas em película. Daí a Símio filme ter produzido duas cópias em 35mm de ADR – uma de teste (a chamada cópia zero) e outra com as correções de cor já feitas (a cópia um).
Desta forma, o filme nasceu em 21 de novembro de 2007, no Festival de Brasília. Depois exibiu na Mostra de Tiradentes (janeiro de 2008) e numa mostra de filmes pernambucanos dentro do 12º Cine-PE (em abril de 2008). ADR ainda ganhou, logo depois, uma segunda sessão especial no Recife, no shopping Tacaruna, seguida de debate.
Mas, por onde andou “Amigos de Risco” que, por quase uma década, ficou fora de circulação e nunca chegou a ser lançado no circuito exibidor? Quando viajava para participar da 32º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – outra enorme vitrine – a única cópia aprovada para exibição foi extraviada por uma companhia aérea brasileira. Com a cópia perdida para sempre, a situação deixou Bandeira e equipe sem a possibilidade de fazer o filme acontecer em outros festivais, interrompendo também o plano de lançá-lo comercialmente no circuito exibidor.
FÊNIX
Avançamos seis anos no tempo, num cenário no qual a projeção digital já é uma realidade em todo o Brasil, e em 2014 temos Daniel Bandeira arregaçando as mangas para a partir da matriz original em vídeo de “Amigos de Risco” trabalhar no seu resgate digital. O trabalho incluiu um “upscaling” nas imagens que serão vistas hoje na tela do cine São Luiz. O termo técnico em inglês pode ser entendido como um artifício que converte imagens em baixa resolução para imagens em alta definição.
“Já havíamos realizado um upscaling ao fazer a cópia em 35mm no passado”, lembra Sotero. “Usamos a mesma matriz para fazermos hoje a nova cópia em DCP [Digital Cinema Package] mas fizemos novas correção de cor e demos uma -afinada- na imagem. Está bem próximo do que quisemos mostrar em Brasília, procuramos preservar as imagens em sua essência; mas hoje devemos ter uma projeção ainda melhor, uma vez que os projetores analógicos do passado não recebiam boa manutenção, enquanto que o equipamento do São Luiz é novo e não devemos ter nenhuma perda na projeção”, explica o diretor de fotografia enquanto Bandeira destaca: “Vejo inclusive que há mais informação visual perceptível nessa nova versão”.
Sobre a possibilidade de finalmente lançar o filme comercialmente, Bandeira lembra que em oito anos muito foi modificado na circuito exibidor. “Nesse momento estou mais preocupado em concluir o filme”, falou por telefone ontem enquanto preparava legendas em inglês para a sessão de hoje. “De qualquer forma, vamos pensar num lançamento, mas não restritivo à salas de cinema, mas também em cineclubes, e no sistema video on-demand, além do home-vídeo com preços acessíveis”.
NOVA GERAÇÃO – Não é arriscado dizer que mais da metade do público que estará no São Luiz na sessão de hoje nunca viu (e talvez numa tenha ouvido falar de) “Amigos de Risco”. Toda uma geração de jovens cinéfilos recifenses forjados na última década irão ter acesso ao filme pela primeira vez e essa é uma das maiores expectativas do diretor. “Estou curioso para ver como eles irão encarar o filme e se percebem algum diálogo com o que se produz hoje”, diz Daniel Bandeira.
Debut de talentos
O leitor provavelmente reconhece o nome Irandhir Santos. Mas saberia dizer qual o primeiro filme em que o hoje respeitado ator atuou no protagonismo? Este filme é “Amigos de Risco”. Na verdade, a estrela de “Tropa de Elite 2”, “A História da Eternidade” e “O Som ao Redor”, entre tantos filmes, divide em ADR o protagonismo com os atores Rodrigo Riszla (de “O Céu de Suely”) e Paulo Dias (hoje, trabalhando como delegado de polícia).
No enredo, Irandhir é Joca, um sujeito que está de volta ao Recife dois anos após ter fugido para o Rio de Janeiro. Logo na primeira noite na cidade natal, chama o garçom Nelson (Dias) e o funcionário de uma gráfica, Benito (Riszla), amigos do passado, para uma noitada e para tratar de negócios. Um acidente faz com que um deles fique desacordado, obrigando os outros dois a levá-lo à pé atravessando a nada segura madrugada pelos subúrbios do Recife.
Nesse sentido, ADR é de uma honestidade comovente, principalmente aos olhos de um recifense. O sotaque é de um frescor autêntico, as gírias contemporâneas, e a fotografia de Pedro Sotero dão à obra um valor por si só legítimo como um documento de seu tempo.
A pedido do CinemaEscrito, o cineasta Carlos Reichenbach (1945-2012) escreveu uma crítica sobre “Amigos de Risco” que foi publicada com exclusividade dia 30 de abril de 2008, em função de sua exibição no 12º Cine-PE. No texto, Carlão faz uma relação com “O Amigo Americano”, de Wim Wenders, e ressalta que “Bandeira faz da câmera um quarto personagem, colocando quem acompanha o filme no papel de testemunha ativa do calvário dos protagonistas. As aventuras (ou desventuras) de dois jovens, que atravessam a cidade à noite, tentando levar um amigo ao hospital, são narradas com a mesma intensidade de um filme de horror. No caso, não é medo que sentimos, mas aflição. Num determinado momento do filme, somos convidados a experimentar sensações extremas de insegurança, angústia e impotência”.
Depois de brilhante análise, o diretor de “Falsa Loura” conclui fazendo uma previsão infalível sobre Irandhir dizendo: “Não é exagero afirmar que se trata de um dos melhores atores brasileiros da nova geração. Bastam dois segundos de Irandhir na tela para que a intuição do espectador detecte a proximidade do abismo”.
Você pode ler o texto na íntegra de Carlos Reichenbach sobre o filme “Amigos de Risco” clicando aqui.
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