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Festivais

19. Tiradentes (2016) – Animal Político

Assim caminham os bovinos

Por Luiz Joaquim | 30.01.2016 (sábado)

TIRADENTES (MG) – Vai começar um novo filme de Tião. O espectador que conhece a pequena filmografia do cineasta – mais celebrada pelo desafiador “Muro” (2008), seu primeiro curta-metragem com direção solo – sabe também que ali, ele, o espectador, irá ser levado a um caminho enigmático pelo qual nunca conseguirá imaginar onde vai dar.

O mais importante, porém, num filme de Tião não está no fim do trajeto, mas no trajeto em si. E essa pode ser uma boa síntese sobre a conquista da protagonista de “Animal Político”, longa-metragem do cineasta pernambucano que teve na noite de ontem (29) sua primeira exibição pública, encerrando o programa “Aurora” na 19a Mostra de Cinema de Tiradentes.

Só por essa capacidade em manter o espectador de olhos bem abertos por toda a extensão de “Animal Político”, Tião já merecia alguns bons créditos num mundo cada vez mais saturado de imagens que as tornam enfadonhas exatamente pelo suas repetições e excessos.

Não é apenas na elaboração de imagens impactantes que o realizador se concentra neste seu longa-metragem de estreia. Tião também propõe aqui a combinação de um espírito narrativo reflexivo, como em “Muro”, só que desta vez nos fazendo reconhecer imediatamente a autora das inquietações que movimentam “Animal Político”. Essa autora é uma vaca. Uma vaca, literalmente.

Por uma narração em off – com uma voz masculina – conhecemos o histórico de vida da vaca desde sua infância, criada e educada por uma família humana, com a qual, sob muito carinho, teve todas as boas oportunidades de convivência feliz, diversão e educação.

Tal premissa, ilustrada com impressionante sagacidade no filme, geram os iniciais estranhamento (e gargalhadas) do espectador ao ser defrontado com aquele animal em ambientes incomuns como um restaurante, uma academia de ginástica ou mesmo na biblioteca de uma universidade.

As imagens surreais são sublinhadas, na verdade, por uma real e crescente crise existencial da personagem, que vamos descobrindo enquanto “ouvimos suas reflexões” sobre ela percebe a futilidade de sua vida.

Com sua estratégia, Tião cria uma contraste potente entre o que nós vemos e o que escutamos.

Se numa medida temos uma incontestável situação cômica por sua natureza em apresentar, com um status humano, um bovino (animal que é criado pelo homem para ser morto e virar alimento para o homem), por outro lado nos sentimos identificados com as ansiedades da vaca no filme.

A relação da validade da vida (qual é a importância da vida de uma vaca para nós? Qual a de um homem?) ganha aqui uma imediata perspectiva que, claro, vai em algum nível mexer com o espectador.

Não bastando, Tião cria situações inimagináveis na busca de sabedoria de nossa triste heroína de quatro patas ao colocá-la em contato com os mistérios vistos em “2001: Uma Odisséia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick, ou ao deparar-se com um robô no deserto que promete lhe dar todas as respostas para todas as perguntas possíveis.

Ainda mais enigmático (mesmo que se explicando na posterior trajetória de formação do auto-conhecimento da vaquinha) é a entrada sem aviso prévio, no meio da narrativa original, um espécie de curta-metragem: “A Pequena Caucasiana”, sugerido aqui como um filme de arquivo que poderia explicar (ou complicar) a razão do conhecimento, ou o conhecimento da razão, da racionalidade, como algo inútil, ou nocivo.

Como objeto explícito da razão, Tião não poderia ser mais exato, divertido e irônico ao usar aqui o livro da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

“A Pequena Caucasiana”, apesar de sedutor – considerando inclusive que a única protagonista deste falso material de arquivo é uma deslumbrante ruiva que atua usando apenas um par de botas numa ilha onde refugiou-se de um naufrágio -, o filminho dentro do filme parece se estender além do necessário para a narrativa.

Sua função discursiva, entretanto, é inquestionável pelo laço que irá fazer com nossa vaca, mais adiante.

Por fim Tião parece querer relativizar e questionar a validade de nossa própria consciência das coisas, uma vez que, ao final, tudo deverá fatalmente ir a um lugar onde ninguém sabe onde é. Nem a vaca, nem nós mesmos. Com o detalhe fundamental de que este lugar, ao final, é um só

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