19o Tiradentes (2016) – dias 2 e 3
Cinema que provoca tensões
Por Luiz Joaquim | 26.01.2016 (terça-feira)
TIRADENTES (MG) – É incrível como, com apenas a exibição de alguns poucos filmes nos três primeiros dias desta 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o evento já conseguiu cumprir o papel ao qual se propõe que é incomodar. Fazer refletir, atritar as ideias a partir do cinema.
E isso a partir de contrastes entre novas obras de veteranos – como Walter Lima Jr. (“Através da Sombra”, exibido sábado) e Ruy Guerra (“Quase Memória”, no domingo) – em contato com títulos que são a primeira incursão do realizador num longa-metragem, como é o caso do da paulista Lo Politi com seu “Jonas” (exibido domingo), protagonizado por Jesuíta Barbosa.
Ainda que todos estes filmes pareçam sofrer de algum grau de deficiência, todos eles, em certa medida, agregam valores, ou atiçam reflexões, pelo qual somos levados a pensar em estratégias narrativas.
No caso de “Jonas”, Politi confessou em entrevista coletiva na manhã de ontem que, se havia nele alguma referência para a fábula contemporânea que criou no seu filme, ela está mais vinculada à música “Mestre Jonas”, de Sá & Guarabira, do com a passagem bíblica sobre o missionário que vai contra seu desígnio divino, pois se arrepende de seus atos após passar três dias dentro de uma baleia.
No filme, a ação é no bairro Vila Madalena, em São Paulo, onde, defende Politi, os contrastes entre a classe média e a baixa se esbarram o tempo todo, convivendo em função da proximidade geográfica. A época é a do carnaval, quando Jonas (Jesuíta), 20 anos, trabalha contra a vontade construindo um carro alegórico (uma baleia gigante) para a escola de samba Pérola Negra, ao mesmo tempo em que faz às vezes de “vaporzinho” (entregador de drogas) para um traficante, Dandão (o cantor Criolo).
Nesse cenário, surge Branca (Laura Neiva) que volta a morar com sua mãe, a patroa de Jonas. Ela é a antiga e inalcançável paixão de Jonas, e ainda continua provocando-o em sua sedução. O resultado desemboca num sequestro , onde ambos irão parar no interior da baleia alegórica encurralados pelos seus próprios atos.
Há uma bem-vinda audácia nessa transposição fabular de “Jonas”, o filme, aos dias de hoje mas, ao mesmo tempo, o resultado que Politi alcança aqui parece relaxar em algumas passagens que seriam vitais para desenhar melhor a própria relação entre o casal protagonista, assim como a construção de cenas vitais como a de um assassinato (e suas a). Alguns efeitos de pós-produção também não ajudam.
Em “Através da Sombra”, Walter Lima Jr. adaptou o livro “A Volta do Parafuso”, de Henry James, o que é outra audácia considerando a maravilhosa versão “Os Inocentes” (1961), de Jack Clayton , com Deborah Kerr protagonizando.
Na versão brasileira, Virginia Cavendish é a governanta que tem de lidar com duas crianças influenciadas pelo mal sobrenatural. O problema aqui é que a atriz parece levantar uma parede entre ela e o espectador, que não nos permite acreditá-la. As crianças também não ajudam aqui, nessa bela fotografia de Pedro Farkas. Uma pena.
Já em “Quase Memória”, um bom resumo é vê-lo como uma espécie de “Eu me Lembro”, de Edgar Navarro, feito por Ruy Guerra (mesmo que sendo uma adaptação do livro homônimo de Carlos Heitor Cony). Ainda que funcione numa escala teatral (cenário econômico e com a luz pontuando a narrativa, poucos atores, diálogos intensos e internos), “Quase Memória” é inteligentemente conduzido pela linguagem do cinema.
Seu “porém” parece estar no desequilíbrio de uma evolução dramatúrgica. Que nos leve a um ápice a partir do encontro e conversa de dois personagens que são um só em tempos diferentes. Ele é Carlos, feito por Tony Ramos (ótimo), em 1994, e Charles Fricks (em descompasso), no ano de 1968. Eles relembram seu pai, e buscam a si mesmos nessas lembranças.
AUSÊNCIA – Infelizmente Rui Guerra não pôde vir a Tiradentes para participar do debate sobre seu filme – trabalha agora num novo projeto em Portugal. Walter Lima Jr. também cancelou a vinda por um pequeno problema de saúde.
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