Se Chris Rock já angariava simpatia pelo humor sagaz, mais socialmente politizado e sem tanta apelação para o baixo nível como costuma ser o do padrão norte-americano entre seus comediantes, com o roteiro de apresentação que ele criou para sua performance na 88ª cerimônia do Oscar – ocorrida na noite de ontem (28) no Dolby Theater, em Los Angeles -, o artista crescido na dura Brooklyn, Nova Iorque, conquistou ainda mais respeito, agora numa escala mundial.

Sem meias-palavras, nem perda de tempo, Rock disparou logo no início da cerimônia vários torpedos ácidos e certeiros sobre o tema mais quente, em vários anos, a preceder a festa. Tudo em função do anúncio das indicações – este ano, divulgadas em 14 de fevereiro.

Tudo o que Rock havia pensado para fazer graça na apresentação do Oscar foi esquecido por ele e reescrito a partir daquele dia 14 quando se iniciou também uma forte polêmica mundial sobre a não indicação de negros na categoria de melhor ator, atriz, principais e coadjuvantes.

O apresentador lembrou que, para começo de conversa, sendo aquela a 88ª edição, a situação de negros não concorrendo já havia acontecido outras, pelo menos, 71 vezes.

“Mas então por que os negros não protestaram sobre, por exemplo, nos anos 1950 e 1960. Bem, porque naquela época tínhamos problemas reais para reivindicar. A gente estava muito ocupado sendo estuprado ou linchado para se preocupar sobre quem seria o melhor diretor de fotografia. Ou adivinhar qual seria o melhor documentário estrangeiro enquanto sua avó esta sendo enforcada numa árvore”.

Sobre o anúncio dos boicotes de algumas celebridades, Rock também não perdoou. A respeito do declaração de Jada Pinkett Smith (atriz mais conhecida como esposa de Will Smith), disse: “Jada boicotando o Oscar é como se eu boicotasse a calcinha da Rihanna. Eu nunca fui convidado!”

Noutro momento constrangedor para a branca platéia, Rock soltou que, tudo bem, nesse ano a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood iria fazer diferente no bloco In memoriam, referindo-se ao clássico videoclipe com imagens de pessoas ligadas ao cinema e falecidas no último ano: “Neste videoclipe, só veremos negros que estavam a caminho do cinema para ver um filme e foram baleados por policiais brancos”.

E o apresentador continuou cutucando ao salientar a falta de sentido que seria criar categorias para negros. “Teríamos a categoria ‘Melhor Amigo Negro’. O resultado seria assim, ‘o Oscar vai, pelo 18º ano consecutivo, para Wanda Sykes’”, brincou. Sykes é aquele a típica atriz negra que nunca ganha o protagonismo e sempre aparece nos filmes como a amiga engraçada. Veja Minhas Super Ex-namorada (2006).

Rock fechou com chave de ouro chamando a atenção para a seguinte questão. “Pra começo de conversa, por que separar a competição de melhor de atuação entre homens e mulheres?”.

Ao final do discurso, resumiu. “Tudo isso para dizer que o que queremos são as mesmas oportunidades. O Leo [DiCaprio] tem ótimos papeis todos os anos. E os atores negros? O Jamie Foxx por exemplo, estava tão bom em Ray”, brincou, “que foram no hospital desligar as máquinas do verdadeiro Ray Charles. Não precisamos de dois Rays, não é?”.

FILMES
Apesar de diversificado na temática e proposta estética das obras indicadas às 24 categorias do Oscar 2016, talvez apenas três surpresas mereçam mais destaque aqui.

Uma, a vitória de Ex-Machina: Instinto Artificial (no Brasil, lançado direto em home-video) contra Star Wars VII: O Despertar da Força e Mad Max: Estrada da Fúria na competição por efeitos visuais. Aliás, a grandiloqüente obra de George Miller levou seis estatuetas técnicas: por edição de som, mixagem de som, figurino, montagem, direção de arte, maquiagem.

A outra surpresa – nem tanto para alguns, é verdade – deu a Iñárritu, comO Regresso, seu segundo Oscar de direção em dois anos consecutivos. Ano passado foi contemplado por Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância).

Um prêmio tão importante distribuído dessa forma e com essa regularidade é um equivocado estímulo para produtores e jovens diretores procurarem fazer em Hollywood o autocentrado e amostrado cinema que Iñárritu acredita e vende.

Uma terceira surpresa foi o prêmio de melhor documentário dado paraAmy, sobre a carreira da cantora Amy Winehouse (1983-2011). Apesar de elogiado, não sugeria tanta força contra seus concorrentes.

A memória deste 88º Oscar será sempre pontuada também, claro, por Leonardo DiCaprio ter “desencantado”. Nesta sua quinta indicação ao Oscar (quarta como protagonista), com O Regresso, ele saiu-se vencedor. As outras perdidas foram Gilbert Grap: Aprendiz de Sonhador (1993); O Aviador (2004); Diamante de Sangue (2007); e O Lobo de Wall Street(2014).

Leo, querido nos EUA, chamou a atenção também por seu agradecimento politizado. “Em 2015 foi o ano mais quente. A mudança climática está acontecendo nesse momento e é a maior ameaça real que estamos sofrendo. Temos de trabalhar juntos para não continuar procrastinando uma solução. Temos de vencer isso. Procurar líderes do mundo. Líderes que não falem em nome dos poluidores, mas em nome dos povos nativos, e do de bilhões de pessoas de baixa renda que serão impactadas por isso. Isso é pelos filhos de nossos filhos e pelas pessoas cujas vozes foram afogadas pela ganância”, concluiu sob fortes aplausos.

O melhor filme eleito foi o ótimo Spotlight: Segredos Revelados, o que não foi exatamente uma surpresa, considerando-se as apostas em torno dele e do igualmente ótimo A Grande Aposta. O Regresso corria por fora aqui, e não como favorito. Assim como o excelente Mad Max: Estrada da Fúria.

Confira abaixo lista dos premiados no 88º Oscar, 2016

Melhor Filme
Spotlight – Segredos Revelados

Diretor
Alejandro González Iñárritu (O Regresso)

Ator
Leonardo DiCaprio (O Regresso)

Atriz
Brie Larson (O Quarto de Jack)

Ator Coadjuvante
Mark Rylance (Ponte dos Espiões)

Atriz Coadjuvante
Alicia Vikander (A Garota Dinamarquesa)

Roteiro Original
Spotlight – Segredos Revelados (Josh Singer e Tom McCarthy)

Roteiro Adaptado
A Grande Aposta (Charles Randolph e Adam McKay)

Filme Estrangeiro
Filho de Saul (Hungria)

Documentário
Amy

Animação
Divertida Mente

Fotografia
O Regresso (Emmanuel Lubezki)

Direção de Arte
Mad Max: Estrada da Fúria

Montagem
Mad Max – Estrada da Fúria

Figurino
Mad Max: Estrada da Fúria

Maquiagem e Penteado
Mad Max: Estrada da Fúria

Canção Original
Writing s On The Wall (007 Contra Spectre)

Trilha Sonora
Os Oito Odiados, por Ennio Morricone

Edição de Som
Mad Max – Estrada da Fúria

Mixagem de Som
Mad Max – Estrada da Fúria

Efeitos Visuais
Ex_Machina: Instinto Artificial