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Entrevistas

Entrevista: Aly Muritiba

As dores do luto e da traição

Por Luiz Joaquim | 31.03.2016 (quinta-feira)

Entra finalmente em cartaz nas salas de cinema (no Recife, no cine São Luiz) um filme brasileiro bastante celebrado nos festivais do País (e do mundo) no ano passado. É Para minha amada morta (Bra., 2016), primeiro longa de ficção do diretor baiano radicado em Curitiba, Aly Muritiba, cuja carreira vinha sendo (belamente) construída com curtas e longas-metragens destacadamente documentais e com foco no ambiente do sistema carcerário.

Ambiente que lhe é familiar em função dele ali ter trabalhado como agente penitenciário quando chegou a Curitiba – alguns ótimos títulos a ver de Muritiba sobre o tema A Fábrica (2011), O Pátio (2013, com passagem em Cannes), A Gente (2013).

Em Amada Morta, Aly conduz com uma segurança de veterano um thriller que acompanha o sofrimento de um fotógrafo de uma, ora vejam, triagem policial. Ele é Fernando – Fernando Alves Pinto, talvez em sua melhor performance no cinema.

Ele está em luto recente pela esposa. Enquanto arrasta-se pela vida, cuidando do filho pequeno, cascavilha as roupas e pertences da falecida, até encontrar um fita em VHS reveladora de um segrego que o desequilibra. Fernando inicia aí um caminho sem volta em busca de vingança, ou alívio, ou os dois, não se sabe muito bem.

E este é um dos trunfos do filme. O roteiro cuidadoso de Muritiba faz do espectador uma testemunha tão tensa e perdida (sem nós deixar confusos) assim como são as íntimas intenções do próprio Fernando. E a precisão não reside apenas no roteiro. Muritiba e seu fotógrafo Pablo Baião apresentam enquadramentos que são ricos não apenas na plástica, mas na informação formal para a narrativa.

É um belo sinal de comunhão entre toda a equipe técnica. Inclua-se aí os atores, todos à vontade, com especial destaque para Lourinelson Vlademir, que interpreta um protestante casado com a personagem de Mayana Neiva, que Muritiba tentou enfeiá-la aqui mas, evidentemente, não conseguiu

Nessa entrevista por telefone, Aly (pronuncia áli) conta desde sua disciplina no cinema, e não apenas para este longa-metragem, até as novidades sobre bem vindos novos projetos, já em processo, e outros futuros a serem elaborados.

ENTREVISTA: Aly Muritiba

Você é muito disciplinado e sei que se preparou bastante pra Amada Morta, mas consegue lembrar quais eram os receios quando começou a rodar o filme?

Nós todos tínhamos nos preparado muito. Mas encarei o desafio de entrar no set de um longa como quem vai jogar futebol com os amigos numa várzea. Tínhamos tempo pra filmar, cinco semanas, e estávamos tranqüilos. Mas, vá lá, havia sim uma ou outra circunstância que sabíamos ser delicada. Que tinha um bagulho sério ali. Sabíamos que se errássemos, perderíamos uma diária, e uma diária custa dinheiro. Era o caso da cena no telhado, envolvendo um cachorro e chuva, e isso é sempre tenso.

E na edição? Novos receios surgiram, por ter muito material pra cortar, e não querer, ou por precisar de mais material bruto que não tinha filmado?

Olha (risos), acho que tenho mais sorte que juízo. O primeiro corte [na edição do filme] ficou com 3h40 [de duração]. Aí meu produtor falou, “Cê ta maluco?!”. Bom, na montagem fui percebendo que tínhamos muito cena com valor dramático que já estava contemplada em outra cena. O luto de Fernando, que dura cerca de 14 minutos [no início do filme], tinha mais de uma hora. Entendemos que dava pra preservar a intensidade com menos e acho que conseguimos.

Amada Morta tem um rigor cinematográfico coerente, mas também dialoga fácil com o espectador médio. Esse não é um cinema muito comum no Brasil.

Não acredito que a narrativa deva estar apartada do rigor estético. Às vezes há um excesso de esteticismo que me incomoda. Há artista que comunicam com pouco. E há os que não se comunicam, pelo exagero. Dialogar com o público não é abrir exceções. Abrir mão de certas coisas é uma questão de respeito. Se se respeita a inteligência do espectador, tudo bem. Me coloco no lugar dele [do espectador]. Ontem [terça-feira, 29-março] na pré-estreia de meu filme no Rio [de Janeiro], não o revi, e fui ver A Bruxa em outra sala. Ele é um bom exemplo disso, pois é incrível como ele usa vários dos códigos de terror e nos oferece algo rebuscado. Por que não posso fazer de um filme de terror algo assim?

O emprego do teu protagonista é ser fotógrafo numa delegacia da polícia civil. Quando escrevia o roteiro você nem pensou duas vezes ao definir a profissão de Fernando, considerando o seu histórico pessoal profissional?

Para mim era importante que a profissão dele refletisse sua personalidade, seu modo de pensar. Ele pensa muito antes de agir, pondera, junta peças de um quebra cabeça. E um fotógrafo forense trabalha com isto, com pistas e evidencias. Precisa ter sangue frio.

Do ponto de vista da narrativa, com as imagens do passado vistas pelo VHS descoberto por Fernando, que vão e vem ao longo do filme trazendo mais informações… elas perturbam as lembrança que ele tinha da esposa; e atiçam ainda mais o espectador com novos dados que eram segredo. Você tinha alguma referência cinematográfica quando pensou nessa estrutura? Algum filme como, por exemplo,Sexo, mentiras e videotape(1989).

Devia estar lá, inconsciente. Já associaram meu filme até a Persona, do [Ingmar] Bergman. São filmes que vi, mas não lembrava deles quando concebi Minha amada morta. Deve ter agido no nível do inconsciente. A escolha do VHS como elemento constitutivo da memória é algo muito forte na nossa geração. Construímos nossa memória videográfica muito a partir do VHS. Eu ainda tenho um videocassete em casa e eventualmente vejo algo nele. E o VHS é algo que você não precisa destruir para acabar com ele para eliminar aquela imagem, basta regravar por cima, ao contrário do [formato] Super-8. Há ali, naquele tipo de imagem também uma fantasmagoria que nos interessava. Para usar no nosso filme, compramos fitas de VHS velhas e ainda ficávamos passando imã nelas para conseguir aqueles efeitos nas imagens.

O Fernando Alves Pinto me pareceu muito bem aqui como nem mais consigo lembrar em outro filme. E há na atitude de seu personagem uma aparentem mudança de objetivo do plano inicial, ao se aproximar da família do personagem de Lourinelson. No início pensa-se em vingança, mas depois já não sabemos mais sua real intenção. Essa parece ser também uma confusão na cabeça do personagem. Podemos dizer que essa é uma percepção correta?

Super correta. Uma das coisas que pensávamos quando nos preparávamos é que Fernando está impactado com o luto da morte da esposa, e depois tem um segundo luto [pelo que descobre no VHS]. A pergunta inicial era por que ela fez isso, e por que fez isso com aquele cara? Fernando tem um desejo de entender a raiva, mas ele vive quase que num mausoléu, interagindo apenas com o filho. Até que ele conhece uma família vibrante, que o acolhe, e de maneira genuína. Fernando está no limiar de fazer algo mau, mas…

O filme foi bem em festivais, mas qual sua expectativa da reação no mercado exibidor? Do filme no circuito comercial?

Gostaria que o boca-a-boca ajudasse, e a imprensa também, a fazer as pessoas irem ver o filme. Acredito que o filme pode ir bem. Bom, temos aíBatman vs Superman em cartaz, mas acho que são públicos distintos. Estamos entrando em 15 cidades, 27 salas.

Qual o estágio atual da adaptação que faz para o livro de Daniel Galera, Barba ensopada de sangue?

Agora estamos reescrevendo o roteiro. Queremos fazer o roteiro o mais consistente possível. O Barba é [um filme] mais difícil de fazer. Rodrigo Teixeira [seu produtor aqui, também produtor de A Bruxa] queria rodar ainda esse ano. Mas pedimos, por favor, mais tempo. Já existe a grana. Devemos rodar no início de 2017.

E o que pode adiantar de Jesus Kid (projeto para filme a partir da obra de Lourenço Mutarelli)?

Tá parado. Temos o roteiro, mas não conseguimos captar dinheiro. Há outro projeto meu, Ferrugem, com roteiro meu, que este devemos rodar neste segundo semestre. É sobre o universo adolescente contemporâneo, quando tudo e feito por meio de vídeo, que também vazam pela Internet.

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