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Críticas

Uma História de Loucura

Rastros de ódio entre turcos e armênios

Por Luiz Joaquim | 28.04.2016 (quinta-feira)

Robert Guédiguian é um destes cineastas em que sua assinatura é reconhecível pela caligrafia com a qual entrelaça, com um padrão harmônico e sob igual intensidade, os conflitos particulares de seus personagens (com os quais podemos nos identificar facilmente) e os sociais (com os quais nos sentimos engajados). Em seu Uma história de loucura (Um histoire de fou, Fra., 2015) – em cartaz no Cinema do Museu do Homem do Nordeste (Recife) – o realizador de Marselha mais uma vez exercita seu dom, desta vez tomando como partida um fato histórico relativo ao povo turco e o armênio.

No seu prólogo, Uma história de loucura situa o assassinato em 1921 em Berlim do Primeiro Ministro turco Talaat Pasha (Francis Boulme), conhecido por em 1915, ter ordenado a prisão e a deportação de armênios de Constantinopla (hoje Istambul). Tal decisão desdobrou-se no que ficou (pouco) conhecido como o primeiro genocídio da Era Moderna, quando, enquanto durou a Primeira Guerra Mundial, 1,5 milhão de armênios foram assassinados, estuprados e submetidos à fome absoluta. Cerca de 10% desse grupo sobreviveu.

E o algoz de Pasha, o armênio Tehlirian (Robson Stévenin), foi um desses poucos sobreviventes do genocídio. Tomado como herói pelo seu povo, a audácia de Tehlirian serve de inspiração para o que vamos ver no filme na sequência.

Estamos em Marselha – cenário constante de Guédiguian –, nos anos 1980, onde vive feliz o casal de armênios Anouch (Ariane Ascaride, a eterna estrela de Guédiguian), e Hovannès (Simon Abkaran). Eles vivem tranquilos cuidando de sua mercearia que nunca fecha, enquanto o jovem Aram (Syrus Avedikian) e sua pequena irmã crescem.

Quando os armênios são impedidos pela polícia francesa, por pressão do consulado Turco, de rezar pelos mortos no genocídio em sua cerimônia religiosa do “24 de abril” – em cena forte numa igreja -, Aram decide que irá pegar em armas para reavivar o espírito de luta seu ídolo, Tehlirian.

Uma vez em Beirute, já integrado no Exército Secreto pela Libertação da Armênia, Aram acaba vitimando um inocente numa emboscada que visava um embaixador turco.

Começa então a complexidade do drama pelo qual Guédiguiam quer discorrer em Uma história de loucura. Ele distribui-se em três eixos: 1) o conflito pessoal de Aram, que acredita na vida (e não na morte) e, portanto, questiona-se sobre o radicalismo dos companheiros de guerrilha, que não vêem o assassinato de inocentes como um empecilho para atingir a grande causa; 2) o desespero de Anouch, em conseguir, de alguma forma, salvar seu filho; e 3) o mais intrigante e inesperado percurso, que é o de Gilles (Grégoire Leprince-Ringuet), o jovem burguês que foi a tal vítima inocente do atentado de Aram.

Guédiguiam conduz a tudo com leveza é uma diversificada gama de informações sobre a cultural armênia, o que inclui a dança, na felicidade da linda festa de aniversário da irmã mais nova de Aram.

Um destaque especial para Ascaride que, como sempre, encarna seus personagens com uma força comovente. No papel da mãe que não consegue parar de sofrer com o destino de Aram, do qual sentia tanto orgulho, Ascaride é o retrato máximo da inocência de um guerra que nunca terminou em função de uma brutalidade incompreensível tanto à época do genocídio quanto à época de hoje.

Na cena final, Guédiguian parece nos dar um sutil recado de que não adiante querer destruir a cultura de um povo, criar “limpezas étnicas”, pois ela sobreviverá. E qualquer ódio derivado dessa estupidez te dará o troco, de alguma forma implacável, contra você mesmo.

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