O Valor de um Homem
A diferença entre trabalho e emprego
Por Luiz Joaquim | 26.05.2016 (quinta-feira)
Uma coincidência coloca em cartaz no Brasil, nesta mesma quinta-feira do Corpus Christi (26), dois filmes que olham para dois homens, cada um a seu modo, como personagens desesperadas, vítimas da crise financeira.
Um deles é o francês Thierry (Vincent Lindon) em O valor de um homem(La Loi Du murché, Fra., 2015) – em cartaz no Cinema do Museu (Recife) –, e o outro é Kyle (Jack O’Connell) em Jogo do Dinheiro (Money Monster, EUA, 2016) – em cartaz nos multiplex -, que é o o quarto filme dirigido por Jodie Foster (veja link para a crítica ao final desse texto).
Fazendo de seu personagem Thierry um reflexo seco e duro do atual momento pelo qual passam muitos europeus (e não apenas eles), o diretor Stéphane Brizé (do ótimo Mademoiselle Chambon, 2009) nos coloca em O valor de um homem lado a lado de seu herói Thierry. Um homem que tenta conseguir um emprego. Um homem comum e qualificado, de 51 anos, casado e com um filho adolescente com limitações físicas.
Sem meias palavras, Stéphane já nos introduz ao drama de Thierry na primeira cena, com o protagonista discutindo por ele não ser aproveitado numa fábrica após passar seis meses num período de estágio.
Com um seguro desemprego de menos de 500 euros para se virar, e entre humilhantes entrevistas para vaga de trabalho, entre oficinas para aprender a se comportar numa disputa por emprego (que inclui uma minuciosa e deprimente avaliação de sua postura), entre as consultas ao banco por ajuda, e entre outras alternativas para garantir um dinheiro extra e pagar as despesas (que inclui a boa educação do filho), Thierry passa por um via crucis com a qual muitos da classe baixa e media no mundo inteiro devem se reconhecer.
Para além da criação de situações que faça o público se reconhecer pela batalha de sobrevivência neste mundo superpopuloso e impiedoso em que habita Thierry e habitamos nós, O valor de um homem cria, mais profundamente, um cenário em que a vítima acaba virando o algoz, não por opção e sim necessidade. E este mesmo cenário o desafia a entender até onde ele pode suportar.
O filme de Brizé é muito “francês” num sentido em que abrange e confronta uma questão social pungente contemporânea – crise financeira e o desemprego – contra aspectos próprios da consciência e moral humana.
Para emprestar o valor da tensão psicológica contida a qual Thierry administra intimamente, o ator Lindon monta seu personagem no limite da explosão.
Lindon é veemente quando conversa com os seus, pois sabe de seus direitos e até onde pode ir com fervor nas suas reivindicações, ao mesmo tempo em que se obriga a tornar-se um bichinho dócio para se submeter à análise de seus possíveis empregadores.
A força da composição desse personagem, Lindon a expõe principalmente pelos olhos e com sua expressão e postura entre o assustado e o incrédulo com o que lhe cerca no que diz respeito às regras rígidas que parecem exigir um grau de perfeição do ser-humano, independente ou não de todo o entorno a este ser-humano estar em ruínas.
A atmosfera de mundo que Brizé cria aqui, nesse roteiro escrito por ele com Olivier Gorce, nos suscita uma ideia de assepsia guiada pela ética, independente das variáveis próprias do humano.
Mesmo que Brizé nos lembre que ainda é possível encontrar carinho em um ambiente assim, como na sequência da senhora que está se aposentando e é homenageada pelos colegas, por outro lado reforça também que um deslize aparentemente banal pode levar uma pessoa ao extremo da autopunição máxima contra si mesma.
O valor de um homem é duro, é triste, mas é real. E é por nos ser tão próximo que essa história nos chega tão forte, com a competência de Brizé e Lindon a frente disso tudo.
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