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Festivais

26º Cine Ceará (2016) – balanço

Sobre inquietação social e audácia narrativa. Esta edição foi mais enxuta, mas igualmente instigante.

Por Luiz Joaquim | 11.07.2016 (segunda-feira)

28-junho-2016 (terça)

LUIZ JOAQUIM*

Foi um longo caminho o trilhado pelo Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema até chegar a sua 26ª edição, quando neste 2016 homenageou o ator Chico Diaz e a atriz Dira Paes.

Foi uma trilha semelhante ao de festivais sérios que se propõem a encontrar sua identidade e renovar-se diante das mudanças do mundo e, principalmente, das condições que o mercado brasileiro o possibilita (ou não) de ser realizado.

Tendo se originado como “festival nacional de cinema e vídeo” lá em 1991 – ou seja, corajosamente um ano após Fernando Collor desmantelar o cinema nacional, em 1990 -, o Cine Ceará deu uma guinada em 2006 quando reforçaria sua importância dentro do cenário no Norte/Nordeste em festivais do gênero, ao agregar na sua competição obras ibero-americanas.

De lá até hoje, o evento vem apresentando-se com mais ou menos força (mas sempre despertando curiosidade) em função da programação que consegue reunir. Em 2014, teve de realizar uma edição frágil no mês de dezembro (fora de seu calendário habitual); mas em 2015 teve, sem dúvida, seu ápice com uma programação instigante com títulos mundialmente respeitados e inéditos por aqui pelo Brasil. Celebrava seu 25º aniversário. Montar uma programação no mesmo padrão de 2015 seria, portanto, um desafio.

COMPETITIVA – Ainda que menor em volume de títulos, a edição 2016 revelou-se consistente o suficiente pela coesão social e política do conjunto dos longas-metragens competitivos que trouxe a Fortaleza. Quase que em sua totalidade – destoou apenas na qualidade com o sofrível melodrama social panamenho “Salsipuedes”, de Ricardo Aguilar Navarro e Manolito Rodriguez -, o 26º Cine Ceará apresentou um painel provocador em possibilidades cinematográficas. Sendo corajoso ora na estética, ora no discurso, ou mesmo casando as duas ousadias.

Foi o caso do título de abertura, o espanhol “Avó”, de Asier Altuna, com sua perfeita comunhão entre a arte visual funcionando em organicidade com uma narrativa tradicional para contar uma história de laço familiar e uma tradição cultural basca. Uma beleza de encontro entre o moderno e o tradicional.

Do México, país homenageado nesta edição, competiu “Epitáfio”, de Yulene Olaizola e Rubén Imaz. Um épico com apenas três atores. Filme que garantiu tal classificação principalmente pela aspereza da locação escolhida pelo casal de realizadores quando decidiu mostrar a determinação de soldados espanhóis no século 16 para conquistar uma cidade asteca.

Entre os filmes brasileiros, curiosamente tivemos dois veteranos no audiovisual, mas com pequena experiência na direção de longas-metragens. Marcos Guttmann com a ficção “Maresia”, e Belisario Franca no documentário “Menino 23”.

Se no primeiro vimos a simpática e duplicada audácia de Guttmann – uma, em adaptar uma obra literária; outra, em contar uma história em épocas distintas dispondo de um orçamento limitado; em “Menino 23” vimos a audácia se fazer presente na adaptação não de um romance mas de uma tese de doutorado.

A tese do professor carioca Sidney Aguilar que desvelou uma prática tida como comum e natural no Brasil dos anos 1930 com interesses pela eugenia, ou seja, o interesse pela criação da raça pura, nos mesmos moldes da cultura nazi-fascista. Com depoimentos feitos hoje de sobreviventes escravizados na época, “Menino 23” só crescia no seu grau de atração pela condução investigativa e urgência discursiva, mas decrescia quando insistia na “criação da atmosfera” – termo usado pelo diretor para a encenação que montou no filme para ilustrar casos do passado.

Ainda do Brasil (Ceará), estava competindo “Clarrisse ou alguma coisa sobre nós dois”, de Petrus Cariry. Num link – longínquo, é verdade – com “Avó”, o novo filme do cearense parecia destacar com linhas grossas o interesse de Petrus pelos conflitos familiares, fechando uma trilogia que passou por “O Grão” (2007) e “Mãe e filha” (2011). Não abrindo mão de seu objetivo narrativo e estético, “Clarisse” mostra um Petrus dando um passo adiante em sua decisão de não abrir mão desse seu objetivo narrativo, não abrindo concessões ao espectador. O resultado é um filme incômodo que também gerou algumas imagens e composições das mais inquietantes deste Cine Ceará.

O título que talvez mais tenha dividido opiniões veio de Cuba, mas dirigido pelas mãos de uma polonesa. É curioso este racha na percepção do belíssimo “Casa Blanca”, de Aleksandra Maciuske, feito sob os auspícios da Escuela Internacional de Cine y Televisión de Cuba. Isto porque, pelo modelo do documentário da EICTV “Casa Blanca” é nada mais que um doc de observação (claro que com alguma intervenção da realizadora) e que essencialmente apresenta a triste, mas linda, realidade entre uma pobre mãe octogenária e seu filho adulto com síndrome de Down. Eles só podem contar um com o outro na vida, e eles se amam. E isso é tudo.

Após tantas dores pessoais e inquietações sociais apresentadas, o 26º Cine Ceará fechou acertadamente com a refinadíssima comédia uruguaia “Clever”, de Federico Borgia e Guilermo Madeiro. O filme foi eleito pelo júri oficial como o melhor da seleção 2016, e sua participação no festival cumpriu uma função, entre tantas, de eventos dessa natureza: chamar a atenção do mercado para um título importante, fora do eixo EUA-Europa, e que poderia ser muito bem recebida (se bem trabalhada) no circuito exibidor brasileiro.

CURTAS – Já a competição de curtas primou principalmente pela audácia narrativa, pelo experimentalismo – opção já habitual nos últimos anos do Cine Ceará – e entregou ao seu espectador ao menos três curtas-metragens inesquecíveis: o cearense “Abissal”, de Arthur Leite; o pernambucano “Fotograma”, de Caio Zatti e Luís Henrique Leal; e o mineiro “Somon”, de Clarissa Campolina.

*O crítico viajou a convite do Cine Ceará

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