As Montanhas se Separam
Sobre seguir para o oeste. Jia Zhang-ke passeia pelo passado, presente e pelo futuro com os oprimidos.
Por Luiz Joaquim | 11.07.2016 (segunda-feira)
29-jun-2016 (quarta-feira)
LUIZ JOAQUIM
Quem viu, em setembro último, no Cinema do Museu do Homem do Nordeste (Recife) o documentário Jia Zhang-ke: Um homem de Fenyang, de Walter Salles, já tem uma ideia da dimensão não apenas para a China como também para a cultura cinematográfica mundial, desse realizador que já foi considerado pelo jornal Le Monde “O mais importante cineasta em atividade”.
A partir de amanhã (30/06), no mesmo Cinema do Museu, será possível conferir não um estudo audiovisual sobre Zhang-ke, mas uma obra sua. Poderá senti-la e perceber seu peso dramático em consonância intrínseca com a história social de seu país.
Como no seu seminal Plataforma (2000), quando cobre em três horas de duração um período entre 1979 e 1989 da juventude chinesa começando a descobrir, ainda clandestinamente, o universo pop, e a transição para a vida adulta numa economia a caminho da globalização, neste As montanhas se separam (Shan He gu ren, Chi., 2015), seu oitavo filme, o cineasta nos coloca em 131 minutos lado a lado do percurso longo da vida de três personagens entre 1999 e 2025.
Zhang-ke criou um triângulo amoroso, doloroso, em que, em 1999, na pequena cidade de Shanxi, a jovem Tao (Zhao Tao) vive a alegria de compartilha a amizade com Liangzi (Jing Dong Liang) e Jinsheng (Yi Zhang).
Eles eram dois amigos de distintas referências sócias num momento histórico em que o capitalismo chinês estava prestes a explodir para o mundo e, portanto, dava início à marcações mais profundas de estratos sociais. A distinção fica bem destaca já no início de As Montanhas… quando Liangzi, um empresário e herdeiro de um posto de gasolina, orgulha-se de seu carro de luxo, mostrando para Tao e Jinsheng, este trabalhando como um operário numa mina de carvão.
A relação amigável logo entra em conflito pelos dois rapazes a partir de uma igual paixão por Tao. A opção de Tao leva a conseqüências que, mais tarde, o filme nos apresenta no ano de 2014 e depois em 2025.
Numa primeira olhadela, Zhang-ke marca explicitamente os três tempos com três formatos bem específicos do cinema. Vemos 1999 quase num quadrado, pela proporção 1,33:1, quando, inclusive o cineasta alterna imagens documentais da tradição na cultura chinesa de então com outras dramatizadas com seus atores.
Em 2014, a janela aumenta para 1,85:1, e o futuro, em 2025 é visto em CinemaScope, num largo 2,35:1. Para além das brincadeiras do formato. Zhang-ke – e aí está uma de suas genialidades – incorpora, podemos dizer, uma suposta estética standard de filmar naqueles anos que são indicados neste enredo.
Na primeira parte a fotografia reforça as cores mais sóbrias com uma textura que endossa a profundidade de campo, como se fotografado em película. Um tenso e específico diálogo desse bloco – quando Jinsheng vai à mina dizer a Liangzi que gosta de Tao – também serve de exemplo para o tempo e ritmo que se daria à lógica corrente do cinema autoral daquela época. No diálogo, o plano e contraplano inclui os interlocutores dentro do quadro, desfocados e de costas, mas dentro do alcance de nossos olhos, incluindo-os na tensão da discussão.
Além disso, a própria cena de abertura de As Montanhas… já reforça sua época, com um grupo de chineses fazendo ginástica ao som de Pet Shop Boy (Go west).
No bloco que ocorre no nosso tempo, as cores são mais pulsantes, a nitidez brilhante e a vida dos protagonistas corre desiludida, desesperançosa até. Já para o futuro, Zhang-ke nos leva a outras paisagens (as do país do futuro?), com cores mais suaves e uma espécie de “desinteresse” da câmera pelos protagonistas das cenas, como se lá, no futuro, nada fosse realmente interessante o suficiente para manter-se parado num único personagem. Nem mesmo uma câmera, para acompanhar aquele que queremos enxergar enquanto o ouvimos.
Há ainda um romance inesperado, que abre infinitas leituras para o que Zhang-ke pondera do que nos espera em 2025 no campo das relações humanas, cada vez mais intermediadas por máquinas.
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