Julieta
A culpa é vermelha, a redenção, amarela. Almodóvar e suas mulheres, sofridas, emocionadas e emocionantes.
Por Luiz Joaquim | 11.07.2016 (segunda-feira)
07-julho-2016 (quinta-feira)
LUIZ JOAQUIM
Analisar qualquer nova obra de Pedro Almodóvar, com 67 anos em setembro, não é, obviamente, algo simples. Um autor que chega ao seu 21º longa-metragem – Julieta (Esp., 2016), em cartaz a partir de hoje no Brasil –, e por mais boba que seja sua nova realização (como aconteceu em 2013 com Amantes passageiros), sempre há de apresentar ecos no novo trabalho a partir de próprio histórico, logicamente. Histórico que, no caso desse senhor, é pra lá de rico.
Com Julieta, este ourives da imagem na Espanha parece voltar a velha forma, ainda que nunca tenha saído dela no que diz respeito a acuidade com a composição plástica do que quer mostrar.
Naquilo que é uma das inflexões de sua personalidade cinematográfica, Almodóvar, ao contar a história de Julieta (Emma Suárez, madura / Adriana Ugarte, jovem), constrói uma comunhão envolvente entre um melodrama ilustrado por uma composição estética quase matemática.
É uma composição plástica milimetricamente pensada, vê-se isso na tela, mas tão bem embrenhada no enredo que, mesmo que tal elemento salte aos olhos do espectador, ainda assim faz todo o sentido, inclusive por esses elementos reforçarem o perfil de seus personagens.
Por exemplo: Numa tomada específica, a madura Julieta está sentada a uma mesa. Enquanto escreve uma carta, a câmera em plano aberto vai afastando-se, e a simetria entre a posição das pernas dessa mesa com as pernas da personagem reforçam um estado de pertencimento da personagem àquele apartamento onde se encontra sozinha.
Ou quando a mesma Julieta, só que ainda jovem, chega com a adolescente e excitada filha Antia (Priscilla Delgado) num apartamento para alugar. Enquanto Antia feliz com a amiga Bea (Sara Jiménez) olha a paisagem pela varanda, Julieta se joga numa poltrona no canto direito da moldura cinemascope do filme.
A poltrona está perfeitamente isolada da bela imagem viva, ao lado esquerdo da tela, com as duas adolescentes na varanda, enquanto Julieta, à direita na cadeira, tem como fundo a parede forrada com um papel de um vermelho escuro. Duro, pesado.
Vermelho, a propósito, é a cor que pontua tudo aqui. Quer dizer, pontua esse filme sobre culpa, que corre atrás da cor amarela. Desde os créditos de abertura, com o tecido vermelho da blusa de Julieta, num desenho que remete a uma vagina, “respirando” ao fundo para apresentar o nome de seus atores.
Julieta segue inteiro num flashback, intercalando com o drama contemporâneo da personagem-título, que viu a filha Antia (Blanca Pares), de 18 anos, ir para um retiro e nunca voltar. Abre-se a história com a madura Julieta contando por uma carta para si mesma algumas revelações a Antia sobre o passado de sua mãe.
É essa história que iremos acompanhar pela extensão do longa-metragem.
Por ela, Almodóvar constrói esta linda e sofrida personagem feminina – Julieta – que carrega consigo a culpa por aqueles que perdeu. E por mais cuidado que cultive a evitar que essa tristeza contamine os próximos, ela se dá conta que falha.
O mais gritante em Julieta, o filme, é no final das contas, aquilo que já conhecemos de Almodóvar. E isso é bom, pois reforça, com elegância, sua assinatura. Isto que falamos é a força e legitimidade com a qual dá vida às suas mulheres.
Elas são exageradamente coloridas, ou pelo menos fãs das cores fortes, e circulam por uma ambiente igual, ou, caso queira o leitor, deixam esse ambiente com a cor que é a delas. Uma só sequência em Julieta já resume isto. Vide a jovem Julieta tirando sua mãe enferma da cama e sainda da casa para o pátio sob a sombra da árvore. Soa como uma verdadeira pintura. São poucos os elogios que se pode fazer a uma mulher como Almodóvar faz com seu cinema.
Há espaço ainda, para essas mulheres mostrarem suas fragilidades – o que, na verdade, ainda as deixa mais lindas, pois mais humanas.
Tudo isso, contado com os exatos mesmo dados, só que num outro ambiente mais pobre, poderia resultado num gigante e medíocre melodrama, típico da pior telenovela barata. Ou alguém negaria que o enredo da pobre professora madrilena que num trem conhece um belo e modesto pescador (Daniel Grao), filho de um cubano, não dá pano para as mangas?
Mais um ponto em Julieta lhe dá a elegância, ainda que extravagante própria de Almodóvar. Falamos da trilha sonora de Alberto Iglesias, que num tom grave, mas correto, incita a sensação de urgência e gravidade. Junta ao aspecto do mistério que o enredo sugere, nos empurra para próximo de uma ideia daquilo que os bons títulos de Hitchcock nos ofereceram em termos sugestão de clima.
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