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Aquarius para maiores

18 anos? 16 anos? O que está em jogo numa classificação indicativa para um filme.

Por Luiz Joaquim | 23.08.2016 (terça-feira)

Por mais de uma vez (veja aqui), registramos elogios ao trabalho feito pelo Ministério da Justiça (MJ) no que diz respeito a difícil e especializada tarefa de definir a classificação indicativa dos produtos audiovisuais que serão lançados publicamente no Brasil. Nas últimas 24 horas a mais recente polêmica alimentada (não deverá ser a última) em torno do filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, está vinculada a esta função deste Ministério.

A obra pernambucana – a ser lançada comercialmente em todo o País dia 1º de setembro, sendo antes exibida no Festival de Gramado nesta sexta-feira (26/08) – foi classificada pelo Ministério como proibido para menores de 18 anos. A distribuidora da produção, a Vitrine Filmes, recorreu (e isso não é incomum) mas não foi atendida, recebendo como justificativa pela indicação o fato de Aquarius apresentar uma “situação sexual complexa”.

Para aqueles que viram a produção – foi exibido publicamente no Recife no sábado (20/08) –, e que trabalham analisando filmes profissionalmente há anos, está claro que não há, dentro do contexto do filme (e isto é importante), algo que justifique a indicação proibitiva ‘18 anos’.

Senão vejamos: em Aquarius não há violência gráfica e não há cena de sexo explícito – no caso dos filmes, entenda isto como uma cena de um ato sexual em que se enxerga a penetração entre os órgãos sexuais, ou simplesmente pela masturbação.

Quando a polêmica iniciou, começaram a surgir, entre aqueles que viram o filme, teorias sobre o que teria sugerido a indicação 18 anos pelo MJ. Uma delas foi a recatada ideia de que um nu frontal masculino – com o personagem digamos, não relaxado – seria suficiente para a classificação.

Não é o caso. Até porque no ótimo Para minha amada morta a mesma circunstância é apresentada, e o filme foi classificado como 14 anos.

Acontece que, para os que conhecem (estes são poucos) os critérios, repito, sérios estabelecidos pelo MJ a este trabalho, podem dizer sem receio que eles estão justificados em sua decisão. O que não significa dizer que tenham sido coerentes, pois uma coisa é seguir a cartilha, outra é ser coerente dentro de um contexto maior.

A justificativa legal está na cartilha do MJ, o Guia prático de classificação indicativa, na página 19 de um total de 45 que compõem o livro-guia da equipe do Ministério. A explicação está lá, no texto do item B.6.2, nomeado como ‘situações sexuais complexas/de forte impacto’.

guia

O que acontece, e poucos também pensam sobre isso, é que em 2007, o próprio MJ criou uma armadilha a si mesmo. E agora, com o barulho em torno de Aquarius, parece ter recebido sua primeira ressaca.

A cilada diz respeito ao seguinte: por ocasião de publicação da portaria nº 1.220 no Diário Oficial em 11 julho daquele ano, as normas que regem a classificação indicativa determinavam que as obras devem ser previamente submetidas ao específico setor do MJ para recebe a indicação etária.

Sob extrema competência de profissionais que seguem preceitos psicológicos (e não apenas por estes critérios) o setor definiria a indicação, que varia de “livre” até “não recomendando para menores de 10 anos; 12; 14; 16; e 18 anos”.

Até aí tudo bem.

Mas o novo detalhe dizia que os “não recomendados para menores de 18 anos” seriam as únicas obras em que os jovens realmente precisariam comprovar a idade mediante apresentação de um documento para ter acesso ao filme. Para as demais indicações, se os pais ou acompanhantes assinassem um termo de responsabilidade pelo menor, ele poderia ver (junto a estes pais ou acompanhantes) um filme não recomendando pelo MJ.

Dessa forma, desde 2007 deixou de ser incomum entrarmos numa sessão de cinema com recomendação 16 anos, apresentando nudismo e sequências de sexo encenadas de forma bastante convincente, com representação do consumo de drogas e ainda com violência gráfica sendo vistas por crianças com menos de 10 anos.

Apesar da coerência democrática de deixar para os pais a decisão de seu filho pequeno ver ou não aquele filme com indicação de 14 ou 16 anos, uma vez que – em tese – cada pai sabe o que é melhor para seu filho, a resolução mostrou-se falha em diversas situações. Não em função do conceito, mas porque muitos pais ou responsáveis não estão nem aí para o alerta da Ministério da Justiça.

O raciocínio costuma ser “meu filho é muito inteligente para a idade que tem”, sem perceber que o ponto em questão não é a inteligência, mas a maturidade para assimilar o efeito das imagens, principalmente quando envolve morte violenta e sexo.

Aí reside, então, a cilada da portaria nº 1.220 para o MJ com a sua cartilha de regras (repito, muito bem construída) perante o caso particular de Aquarius.

Com o tenso histórico da produção pernambucana – iniciado com o corajoso protesto de sua equipe em Cannes contra o atual governo, mais o desconforto protagonizado pelas declarações do jornalista Marcos Petrucelli nas redes sociais -, o trabalho feito pelo MJ para Aquarius não soa nesse momento exatamente como algo correto.

Ao mesmo tempo, uma outra indicação classificativa que não 18 anos a Aquarius, (16 anos, por exemplo) poderia gerar posteriormente o mesmo tipo de indignação por um outro grupo de pessoas que conhecessem o Guia do MJ, uma vez que lá, ipsi literis, há o registro que se refere a uma pequena e rápida cena em Aquarius que o categoriza na classificação determinada como 18 anos.

Uma cena que não pode ser aqui revelada em função do impacto que ela provoca pela sua surpresa.

A mesma indignação invertida poderia sair de um pai desavisado – e eles são muitos – que levaria seu filho de 12 anos para ver Aquarius tabelado como ‘16 anos’ e, uma vez entendo o equívoco e se sentido lesado, resolvesse iniciar uma ação contra o departamento de Classificação Indicativa do MJ.

Brasília - Após reunião com o presidente em interino, Michel Temer, o ministro da justiça, Alexandre de Moraes, fala com a imprensa sobre a segurança nas Olimpiadas. (Antônio Cruz/ Agência Brasil)

O ministro da justiça, Alexandre de Moraes, em foto de Antônio Cruz

Todas essas observações são apenas para reforçar que o tema não é tão simples como pode se prenunciar. Há profissionais envolvidos. Entretanto, nosso contexto político também precisa ser relativizado, principalmente quando consideramos que o título de ministro da Justiça é hoje ocupado por alguém vinculado à repressão contra movimentos sociais, e que já declarou ser necessário para o País “mais armamentos do que pesquisa em segurança”.

Daí surgir de maneira tão forte e imediata a ideia de perseguição política em função dessa classificação indicativa para Aquarius  – que lhe tira não apenas o publico de 17 e 16 anos, mas potencialmente também os de 15, 14, 13,12, 11… se recebesse o selo ‘16 anos’.

Nada pode ser descartado uma vez que hoje, no Brasil, se há algo que tristemente falta nos movimentos da política profissional é clareza.

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