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O Netflix system

Netflix e a sedimentação daquela velha e boa hegemonia mercadológica.

Por Luiz Joaquim | 05.08.2016 (sexta-feira)

Assim como os grandes estúdios de Hollywood há 100 anos, a Netflix começa a sedimentar seu império pela mesma estrutura que tornou a Paramount Pictures, a Universal Studios, a Metro Goldwyn Mayer, e a 20th Century Fox, entre outras, nos gigantes que todos conhecemos em algum momento.

São muitos os detalhes que explicam a hegemonia do cinema norte-americano no mundo há já pelo menos dez décadas. A 1a Guerra Mundial foi, sem dúvida, um dos eventos que propiciou tal poderio de controle sobre um mercado específico.

Mas a relação que queremos estabelecer nesse brevíssimo ensaio entre o passado da indústria cinematográfica e o presente da indústria de filmes no formato streaming vincula-se a um dos tripés que sedimentaram de uma vez por todas o modelo de reinado absoluto dos grandes estúdios de Hollywood.

Essa última perna do tripé foi conquistada particularmente no início dos anos 1920, e diz respeito ao momento em que os estúdios passaram a ser donos de suas próprias salas de exibição. Ou seja, quando passaram a ter a autonomia de programar em suas próprias salas de cinema os filmes que produziam, fechava-se assim o circuito completo de seu produto.

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Uma vez que tinham total controle da produção de suas obras, uma vez que já eram “donos” por contrato das estrelas que brilhavam em seus filmes – formando a ideia do star system (essa é uma outra história, que no Brasil ainda hoje é copiada pela TV Globo) – e uma vez que passavam a controlar os auditórios onde seus filmes seriam exibidos, nada poderia derrubá-los.

Até que uma lei em 1948 obrigou os estúdios a abrirem mão de suas próprias salas e a dividir os lucros com os exibidores. Um modelo de negócio que tornou-se standard até hoje.

O Brasil também teve seu momento nesse cenário. Mas o caminho foi invertido. Na verdade foi a primeira grande rede exibidora do Pais – o Grupo Severiano Ribeiro – que procurou o maior estúdio nacional – no caso, a Atlântida -, e não o inverso.

Em seu artigo, Industrialização e cinema de estúdio no Brasil: a fábrica “Atlântida”, o professor João Luiz Vieira lembra que o interesse do empresário exibidor vinha “ao encontro de uma situação que lhe era favorável, permitida pela obrigatoriedade de reserva de mercado para filmes brasileiros, o célebre decreto nº 20.493 de 24 de janeiro de 1946. Tal dispositivo determinava que os cinemas teriam que exibir, anualmente, pelo menos três filmes nacionais”.

E continua: “Ribeiro, ao cumprir com total empenho esse decreto, passava a produzir para os seus próprios cinemas, garantindo assim, todos os lucros de uma cadeia onde ele também era o distribuidor. Com a montagem de seu próprio laboratório de revelação, a Cinegráfica São Luiz, uma cadeia econômica de produção se fechava de forma inédita no cinema brasileiro. Com muitos cinemas espalhados pelo país, o grupo garantiu uma visibilidade também até então inédita para o filme nacional”.

O PRESENTE

Quando hoje acessamos as redes sociais, ou mesmo a mídia mais tradicional (jornais, revistas), e vemos que a estreia de um produto criado e recém-lançado pela Netflix – como a série Stranger things (15.jul.2016), por exemplo – repercute muito mais, em detrimento à principal estreia da mesma semana nas salas de cinema (no caso, o filme A Lenda de Tarzan), fica claro que a Netflix, como primeira empresa em escala mundial (tornou-se Global em 2016) a popularizar o comércio de filmes no modelo streaming só se fortalece, e exatamente pelo mesmo modos operandi dos estúdios, há 100 anos.

 

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Em outras palavras, a empresa cria seus próprios produtos – iniciou em 2013 com a série House of cards – e faz com que seus assinantes assistam exclusivamente – no início, ao menos – pela sua plataforma, criando uma fidelização pelo produto e pelo seu ambiente virtual de consumo que antes só existia no modelo da primeira metade do século passado, criado pelos estúdios de Hollywood.

Não se espante, portanto, se, em breve, a Netflix anunciar que assinou um contrato de exclusividade com algum ator/atriz adolescentes, revelação em alguma de suas produções. Cria-se assim, o que poderíamos batizar de Netflix system.

Já que os tempos são outros, talvez não demore três décadas – como aconteceu no século passado – para uma nova lei ser criada e regular esse sistema tão particular que por enquanto enche de alegria (e fortuna) estes empresários do mercado do audiovisual por streaming.

E, claro, enche também a sua cota de alegria, leitor, que talvez nem tenha parado para entender exatamente quando foi que passou a usar sua smart-tv para assistir apenas Netflix.

A ver.

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