49º Brasília (2016) – noite 2
“Rifle”, primeiro longa exibido em competição no festival, apresenta pontos de interseções com “Aquarius”
Por Luiz Joaquim | 22.09.2016 (quinta-feira)
BRASÍLIA (DF) – O primeiro bloco de filmes competitivos deste 49ª Festival de Brasília do Cinema Brasileiro aconteceu na noite de ontem (21) trazendo a primeira exibição pública do Rifle, do gaúcho Davi Pretto, que já vem sendo chamado por aqui como o Aquarius rural (muito embora não seja bacana reduzi-lo a isto).
A comparação acontece em função de seu protagonista, o jovem Dione (Dione Avilo de Oliveira), ser um jovem integrante de uma família que vive numa humilde casa, numa zona rural remota , sendo ele o único que se nega e se rebela em aceitar a proposta de um fazendeiro em comprar a pequena propriedade.
Em entrevista coletiva hoje (22) pela manhã, o crítico gaúcho Marcus Mello pontuou alguns elos concretos entre um filme e o outro para além desse perfil e situações vivido pelos protagonistas Dione e Clara (em Aquarius). Como, por exemplo, Dione rasgar o cartão de visitas dos interessados pela propriedade onde vive, ou a revisão do passado através de velhas fotografias da família, e ainda o desfecho impactante em ambos os filmes.
Há, porém, uma distância longa, pela ótica de proposta estética, entre o filme de Pretto e o de Kleber Mendonça Filho. Enquanto Mendonça Filho elabora diálogos volumosos e fluentes entre todos seus personagens, em Rifle estes (os diálogos) são mínimos – mas precisos – criando uma corrente coerente com a atmosfera do ambiente onde o conflito se desenrola.
Há também uma leitura fácil, e interessante, em enxergar Rifle como um western contemporâneo, no interior do Rio Grande do Sul. “Vemos disputa de territórios, um protagonista errante, sem um passado muito claro, tudo ocorrendo num lugar isolado. São elementos fortes do gênero”, reforçou o diretor, muito embora, tenha também salientado que “o ponto de partida era [com essa história] falar daquelas pessoas naquela região, e sua realidade”, completou.
CURTAS-METRAGENS – Rifle foi antecedido pelo curta baiano Ótimo amarelo, de Marcus Curvelo, e a animação paulista Quando os dias eram eternos, de Marcus Vinícius Vasconcelos. No primeiro, Curvelo faz com humor e certa melancolia uma relação da ideia de Salvador como uma cidade de transformações equivocadas e de passagem a partir da lembrança do jogador de futebol Bebeto, que em 1997 retornou à cidade para atuar pelo Esporte Clube Vitória, mas retornou ao Rio de Janeiro, para jogar no Botafogo com vistas à Copa do Mundo em 1998.
Isto é incorporado pelo seu protagonista (interpretado pelo próprio Curvelo), que retorna a Salvador e observa esses contrastes com um perspectiva de quem continua percebendo a cidade por uma imobilidade social, ainda que em constante mudanças de infra-estrutura, mas por interesse político.
Já a animação de Vinícius Vasconcelos atiçou a percepção da plateia para a beleza de seu traço ora tenso ora relaxado ao falar da relação entre uma mãe terminal, com câncer, e seu filho amoroso. Resultado de uma experiência pessoal do diretor Quando os dias eram eternos é daqueles filmes que fluem entre o concreto e o abstrato das ideias pela própria natureza do traço no filme.
Um traço a serviço do movimento dos corpos (ou do interior do corpo humano), que o cineasta contou ter relação próxima ao trabalho do coreógrafo japonês Kazuo Ohnu (1906-2010).
O filme termina por engolir (num bom sentido) o espectador para dentro de seu ritmo de sonho, pautado ora pela trilha sonora, ora pelos próprios movimentos dos personagens da mãe e do filho. Enquanto os traços de Marcus Vinícius Vasconcelos se diluem ou se agregam na nossa frente, ficamos mais e mais embrenhados na simbiose daquelas duas pessoas ligadas por uma corda/cordão umbilical que pode ser nomeado por amor.
* Viagem a convite do Festival
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