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Festivais

49º Brasília (2016) – noite 7

Bressane e a arte da construção da arte. Guilherme Weber e os atores.

Por Luiz Joaquim | 27.09.2016 (terça-feira)

BRASÍLIA (DF) – Pobre daquele que tentar decifrar a totalidade, ou a síntese, num filme de Júlio Bressane; até porque se tentar já parte de um princípio equivocado. Dito isso, escrever sobre Beduíno, seu mais recente longa-metragem que foi exibido pela primeira vez aqui no Brasil na noite de ontem (26/09) no 49ª Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, termina por ser um exercício de transcrever por palavras algumas sensações pessoais de para onde somos levados a partir das composições criadas por Bressane e sua equipe.

Importante citar a “equipe” uma vez que o cineasta destacou na apresentação do filme – e também no debate de hoje (27) pela manhã – que Beduíno e uma obra que se constrói na produção, dentro de um grupo de realizadores-produtores.

Longe (bem longe) de montar um enredo com uma narrativa tradicional, o que temos aqui é Alessandra Negrini e Fernando Eiras colocados diante um do outro em atrito num espaço onde eles próprios integram o ambiente como peça de arte, e peça transformadora dessa arte.

Em sua imensa erudição de referências – “preciso me cuidar para não ser levado pelas referências” – Bressane citou um pensamento de Diderot direcionado à pintura a respeito de a arte prescindir do público. Como ela sendo absoluta em sua composição e fruto de um esforço coletivo.

Não significa que ela, a arte, não precise comunicar-se com o público, mas que seja construída bastando em si numa importância de sentido próprio. “O maior crime de uma obra é ela querer dirigir o espectador. Eu só descobri isso mais tarde”, disse, abrindo o riso da plateia no debate.

A respeito do sentido da beleza em Beduino, Bressane nos lembra que o destino do homem é a mediocridade – “Ainda estamos matando. Vivemos amarrados pela sobrevivência, mas há lacunas nessas amarrações e são nessas lacunas que percebemos a beleza. A busca pelo belo foi substituída pela busca pelo salário. É preciso a ociosidade para encontrar o belo. Ele [o belo] está em todos os lugares, e as camadas dessa beleza são infinitas”.

Um novo aspecto surge também nesse Bressane ao inclui como parte integrante e interativa em sua narrativa trechos restaurados de seu Memórias de um estrangulador de loiras (1971), com Guará Rodrigues. Situação revisitada (e redefinida) em Beduíno por Eiras e Negrini.

weber

Em foto de Júnior Aragão (divulgação), Guilherme Weber apresenta seu “Deserto”

DESERTO – O último bloco competitivo deste 49º Festival apresentou o curta-metragem Os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos, de Gustavo Vinagre, e o primeiro longa dirigido pelo ator Guilherme Weber, Deserto.

Com Caetano Gotardo, Nash Laila, Júlia Katharina e Luiz Felipe Lucas, o filme de Vinagre pode ser enxergado como um obra urgente sobre um estado de aspectos sociais (particularmente no Brasil de hoje) que oprimem o homem, mostrando o efeito disso numa dimensão íntima e individual, e como um grupo de amigos lidam amorosamente com tal situação enquanto confinados num apartamento.

Deserto é uma fábula bem elaborada (belo roteiro) e desenhada (com direção de arte de Renata Pinheiro e figurino de Kika Lopes) rodado num árido vilarejo do sertão. Conta a história de um grupo de oito artistas cujo líder (Lima Duarte) tem como premissa da vida artística o movimento.

Um acontecimento redefine essa premissa que os faz assentarem definitivamente naquela vila abandonada onde criam a sua nova sociedade, mas amparada em velhos conceitos de sociedade – o padre, a médica, a cozinheira, a caçadora, o militar, a prostituta e o negro (aqui num sentido da escravidão). Os papeis são escolhidos ao acaso, num sorteio, e, como é dito no filme, naquele caso são os papeis que escolhem os atores.

Deserto é irregular em sua narrativa, mas de uma riqueza profunda particularmente para os atores que, como disse um deles, Cida Moreira, “somos todos protagonistas aqui”. Os outros atores, a saber, são Everaldo Pontes, Márcio Rosario, Fernando Teixeira, Magali Biff, Claudinho Castro e Pietra Pan.

*Viagem a convite do festival

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