Aquarius – estreia
Vamos começar por um ponto o qual, provavelmente, não surja em quase nenhum texto escrito sobre Aquarius.
Por Luiz Joaquim | 01.09.2016 (quinta-feira)
Vamos logo começar por um ponto o qual, provavelmente, não surja em quase nenhum texto escrito sobre Aquarius (Bra., 2016), o terceiro longa-metragem de Kleber Mendonça Filho (KMF), que entra em cartaz hoje (01/09) nos cinemas. Falamos de um ponto de fragilidade.
Ele está na cena que introduz uma conversa sobre um acidente de trânsito. Não se deve aqui descrever a tal cena para que ela não perca seu frescor ao ser vista no filme pela primeira vez. É possível, porém, contextualizar que sua fragilidade só é salientada em função de todo o entorno dessa cena.
Explica-se: o que há de travado no tal diálogo é a sua introdução, o modo como ele é trazido pelos personagens numa conversa que se inicia coloquial e termina por soar num tom algo militante, e não apenas de indignação.
Nenhum problema em ser militante. O problema está na coesão. Ou melhor, na falta dele dentro de um ritmo que vinha se mostrando mais suave que o da militância. Aquarius tem um roteiro e uma execução desse roteiro que são primorosos. Com isso, a desafinação de qualquer ponto, por menor que seja nessa sinfonia político-cinematográfica criada por KMF, ganha uma saliência maior.
Uma virtude nesse roteiro é que seus vários pontos de exclamações no enredo, todos vivido por Clara (Sônia Braga), não são soltos, mas sim interligados, amarrados, dando uma integridade moral ainda maior aos seus temas.
E eles são muitos. Passeiam na esfera do feminismo, da mídia, da homossexualidade, da maternidade, da feminilidade, da família, da memória, dos padrões de status da sociedade, do urbanismo, da injustiça social, enfim, é só procurar que você encontrará mais. A propósito, preparem-se para uma infinidade de texto que virá a ser escrita a partir destes aspectos.
A questão é, como já dissemos, em não sendo nenhum destes pontos soltos – inclusive o da injustiça social, particularmente no do caso da conversa sobre o acidente de trânsito – não seria simples eliminá-lo uma vez que esse ponto é interligado a outros dois que surgem no decorrer do filme. Dois outros pontos bem desenvolvidos, e de impacto emotivo, registre-se.
O modo dissonante como o assunto foi introduzido em sua encenação, portanto, talvez não pudesse ser resolvido com uma rebolada na edição (até porque a fragilidade reside no desenvolvimento dos diálogos da encenação, e não no ponto da linha do tempo no qual foi inserido).
De qualquer forma, essa que parece ser a única vírgula a ser colocada em Aquarius, é ínfima, diante de seu todo. Como já dissemos, esta crônica social criada por KMF serve a qualquer discurso moral (sem ser moralista) tanto para reforçá-lo quanto para ser usado como ponto de partida.
Daí que você verá de hoje por muitos e muitos anos, textos e sessões de cinema apropriando-se de Aquarius para endossar uma ideia já pronta contra qualquer tipo de injustiça.
No caso do ano de 2016, Aquarius nasce num Brasil de ânimos acirrados ao extremo, particularmente em dois níveis: o da política (em particular no âmbito do Governo Federal, entrando em cartaz um dia após a data que sempre será estudada, o 31/08/2016), e o do direito de igualdade das mulheres na sociedade. É o típico caso raro de um produto certo, na hora e no lugar certo. E o mérito é de KMF e de sua equipe, incluindo a distribuidora comercial no Brasil, a Vitrine Filmes.
Tal contexto talvez ofusque uma outra leitura que certamente interessa ao seu realizador. A leitura cinematográfica do filme. Aquilo pelo qual o cineasta se esforçou para fazer de Aquarius o elegante e sedutor filme no qual resultou.
Mas, por enquanto, fiquemos com a frase resumitiva estampada no pôster do filme – “Domínio absurdo do cinema” – escrita num texto produzido por ocasião de sua exibição no 69º Festival de Cannes pelo jornalista Pedro Butcher, que tem domínio absurdo da crítica de cinema.
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