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Festivais

9. Janela (2016) – Curtas pernambucanos

Três curtas de Pernambuco que reforçam a fé em novos talentos.

Por Luiz Joaquim | 05.11.2016 (sábado)

O Dia dos Mortos (02 de novembro) de 2016 será lembrado no Recife pelo nascimento de três potentes curtas-metragens pernambucanos, vindos ao mundo pelo 9o Janela Internacional de Cinema. O berço foi um dos mais luxuosos do Pais, o cine São Luiz (Recife), que assistiu, com bom público, o debut de três realizadores – Enock Carvalho e Matheus Farias (assinando Quarto para alugar) e Fábio Leal (diretor de O porteiro do dia) – e a reafirmação do talento da diretora Milena Times (com seu Represa).

Comecemos pelo mais impactante e envolvente filme da sessão (que ocorreu às 14h), tendo como prova inequívoca a interação da platéia do Janela: O porteiro do dia (ótimo título que remete ao clássico de Liliana Cavani, O porteiro da noite, 1974; obra que, inclusive, integrou a grade desta edição do Janela).

A primeira questão a colocar é a surpreendente maturidade (para um iniciante) com a qual Leal conduz essa cativante e bonita história de paixão entre dois rapazes e, audaciosamente (e com êxito), inclui também nuances de conflitos sociais.

O tal porteiro do dia, Márcio (Edilson Silva, de Brasil S/A), é alvo da paquera de um dos residentes – Marcelo (Carlos Eduardo Ferraz) – do condomínio de classe média onde Márcio trabalho pela manhã e à tarde.

Casado e orgulhoso de seus dois filhos, Márcio deixa-se envolver por Marcelo e aos poucos a obra de Leal vai revelando a sintonia deste novo e feliz casal, ainda que afetado por aspectos da diferença social.

Pudicos podem dizer que a consumação do sexo entre os dois soa aqui exagerada. Errado. O volume de cenas na sequência de sexo são na medida correta para impor o tamanho do tesão do jovem e recente casal. Reforça a alegria dos dois e o faz dando convicção aos espectadores, seja pela entrega de Silva e Eduardo Ferraz, seja pela mão precisa de Leal.

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Os atores Ferraz (de costas) e Edilson Silva em cena de “O porteiro do dia”.

Vale dizer que não há meio termo quando se dirige cenas de sexo. Ou ela é bem realizada e impressiona o espectador, ou ela é falha e demonstra-se enfadonha ou juvenil. Leal se sai vitorioso aqui, mais até do que alguns cineastas veteranos do Brasil.

Um parênteses para a sequência da carona na bicicleta dada a Marcelo por Márcio. Inspirada numa história contada pelo jornalista e realizador Rodrigo Almeida, Leal revelou, num rápido bate-papo após a sessão, que quando a escutou decidiu que teria de filmá-la.

Construída com alegria e inteligência, ao som de Pé na tábua na voz de Marina, a sequência é desde já inesquecível (algo raro de conseguir em tempos de saturação da imagem). E é assim particularmente pelo fluxo bem dosado entre o devaneio do apaixonado Marcelo contrastando com a realidade fria de Márcio que pedala a bicicleta. O riso aqui é inevitável assim como é o deleite da imagem que encerra o filme, captada pela lente de Tiago Calazans.

Com tantas qualidades, O porteiro do dia tem o estofo de um longa-metragem, não pelo sentido da hierarquia da minutagem de obras com mais de 70 minutos, mas pela consistência e reverberação dos personagens, e de uma trama tão bem resolvida por Leal; que, alem das contas, ainda tem boa presença e timing na tela como ator (já visto figurando em Aquarius e Mãe só há uma). Em seu curta, ele está na pele do amigo chato de Marcelo, regulando seu affair com o porteiro do dia. Muito bom.

TENSAOQuarto para alugar e Represa dialogaram dentro de uma chave que o curador do Janela de Cinema, Luís Fernando Moura, cantou antes da projeção: os corpos se interrelacionam de forma muito particular com seus espaços.

Quarto para alugar não esconde sua filiação ao gênero do fantástico, pelo qual o suspense predomina e ele é construído com extremo esmero (principalmente pela fotografia de Rafael de Almeida) e com uma alta consciência de Enock e Matheus do aproveitamento possível do apartamento para o qual a misteriosa Letícia (Joana Gatis, co-diretora de Soledad) leva sua presa Gabriela (Clébia Souza), que acaba por saciar uma entidade que ali habita (Stella Maris Saldanha).

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A atriz Clébia Souza em cena de “Quarto para alugar”.

Talvez a fragilidade de Quarto para alugar esteja no próprio pressuposto que sugere: Mulher incomum leva inocente para apartamento igualmente incomum onde há um quarto proibido. Finalizar de forma surpreendente esse plot muitos vezes já explorado pelo cinema é um desafio de resolver até mesmo para veteranos do cinema.

Represa está interessado em outra freqüência. Há também a tensão e o medo pelo desconhecido. Mas Milena Times está mais interessada nas relações humanas vividas entre personagens solitários. E Represa reforça isso se posto ao lado de seu primeiro curta, Au revoir (2013).

Está também em Represa, como em Au revoir, o domínio de Milena sobre o tempo. Sendo solitários, seus personagens interagem essencialmente com seu próprio espaço físico e morto. É só com a chegada de um “corpo estranho”, vivo, a este espaço que muda sua rotina; e seus solitários são obrigados a reagir.

Em Represa seu desfecho poderia ser o começo. Algo – um desfecho/começo – que Au revoir deixa melhor resolvido.

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