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Críticas

Sob Pressão (2016)

O terror de nosso serviço de saúde pública de cada dia.

Por Luiz Joaquim | 16.11.2016 (quarta-feira)

Na medida em que a trama de Sob pressão (Bra., 2016) –  filme de Andrucha Waddington que estreia amanhã (17/11) no Brasil –  vai se desenrolando, crescendo e ganhando corpo na sua frente, é bem provável que o espectador comece a relativizar as dificuldades de que tanta reclama em seu trabalho, na vida real e pessoal.

E mesmo antes dos créditos de abertura surgirem na tela, uma situação em Sob pressão já coloca uma questão que daria margem para um ótimo debate sobre ética, responsabilidade médica, humanismo e por aí vai.

No caso, temos num plano-sequência o médico-chefe de uma Unidade Vermelha numa favela carioca, o Dr. Evandro (Júlio Andrade, à vontade), saindo do plantão sem nem saber que dia da semana é aquele.

Ele segue para uma barraca em frente do hospital para tomar um pingado com um sanduíche de queijo. Antes que o sanduíche fique pronto, uma unidade médica móvel chega trazendo dois baleados durante um tiroteio que ainda acontece na favela ao lado.

Um deles é um policial, com uma bala na cabeça, mas estável, o outro é o líder do tráfico também baleado, só que em condições mais precária e em iminente risco de morte. Enquanto Dr. Evandro dá as primeiras orientações a sua equipe, o Capitão Botelho (Thelmo Fernandes), da polícia, que acompanha a tudo, lhe pergunta: “você vai dar prioridade ao policial, não é doutor?”. A partir daí inicia Sob pressão.  

Tal incômodo inicial é só um drops do que está por vir ao longo dos 90 minutos em que o filme – baseado no livro Sob pressão: A rotina de guerra de um médico brasileiro (2014), de Márcio Maranhão – tem a nos mostrar sob o nível de absurdos a que está submetido um profissional da saúde neste País vinculado ao serviço público.

Sobre o livro de Maranhão já foi dito que ele “nós leva à indignação, à repulsa, ao desprezo por tudo aquilo que nos é apresentado sobre o sistema público de saúde no Brasil em geral, e no Rio de Janeiro em particular”.

Andrucha, pelo seu filme, conseguiu transpor com competência para tela o apelo do autor literário; isso num roteiro adaptado escrito a dez mãos (Renato Fagundes, Leandro Assis, com assistência de Cláudio Torres, Luiz Noronha e Renato Fagundes).

É um enredo que não se atém a apontar limitações na esfera de equipamentos quebrados, defasados, ou na falta de medicamento adequado (talvez esse seja só o ‘café com leite’ dos problemas neste campo), mas aponta também o fato de que é preciso lidar com autoridades estúpidas, como o Capitão Botelho, ou com o jornalista influente com seu filho pequeno que teve a perna atingida por uma bala perdida e, arrogante, exige que o menino receba atendimento prioritário e pelo melhor médico do hospital público.

Sob pressão aponta ainda a tensão da proximidade com uma favela ocupada por traficantes que ameaçam invadir o hospital. E aponta também para o simples fato de que nenhum ser humano consegue suportar uma carga de estresse nesse nível por tanto tempo e ininterruptamente.

Essa é a brecha para mostra o incorruptível e admirado Dr. Evandro tomando fortes comprimidos, escondido do colega Paulo (Ícaro Silva) e da médica novata na equipe, Carolina (Marjorie Estiano). Evandro se droga para agüentar a jornada de labuta e pressão sobre-humana que simplesmente não o “deixa” largar do plantão.

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Dr. Evandro (Júlio Andrade) tenta tomar seu café da manhã.

O desenho do roteiro dá espaço para entrar também em cena, com orgânico funcionamento dentro da trama, o diretor do hospital, o Dr. Samuel (Stepan Nercessian), e a administradora-geral, Ana Lúcia (Andréa Beltrão). E é um elenco, que inclui Álamo Facó como um estudante de medicina, em alta frequência. Com todos os atores na sintonia da urgência que o enredo exige e com a edição ajudando a imprimir essa urgência na medida certa (sem mostrar-se ‘videoclipeira’).

Só alguns poucos pontos parecem soar gordurosos neste belo trabalho. Uma banal sequência de sexo, que se extraída não comprometeria o enredo em nada, e a história traumática contada por Carolina para explicar uma limitação sua em atender crianças.

Entende-se que os trechos podem ser considerados como momentos de respiro dramático dentro da constante tensão desta história mas, ainda assim, parecem um pouco deslocados.

Assim como também o é o exagero do Dr. Samuel em comer gordura enquanto fala ao telefone com seu colega avisando-lhe para ter cuidado com o coração pois seus exames são reveladores. O improvável da cena exagerada ganha, mais na frente, um sentido um tanto conveniente para o enredo.

 

Esquematismos dramáticos à parte, Sob pressão cumpre seu papel com louvor, prometendo que serão poucos aqueles que sairão do cinema menos que indignados e assustados com esse filme de horror que nada mais é do que a nossa realidade cotidiana.

Em tempo: não dê bola para comparações de Sob pressão com qualquer enlatado norte-americano sobre dificuldade em plantões médicos. As implicações deste Sob pressão são muito mais complexas pelo ponto de vista da sociologia. Mas será mais fácil de ser lido assim se você conhecer um pouco do Brasil além do que é mostrado na tevê, claro.

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