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Críticas

Animais Norturnos

Este Tom Ford soa como que matematicamente feito para impressionar, e sua equação dá certo.

Por Luiz Joaquim | 29.12.2016 (quinta-feira)

Apresenta-se assim a abertura de Animais noturnos (Nocturnal Animals, EUA, 2016), de Tom Ford: uma exposição de arte visual, numa galeria rica e refinada, projeta imagens gigantes que por si só são fortes e nos sugestionam aos diversos aspectos de como assimilamos nossa própria cultura.

E a assimilamos, hoje, de forma vazia, como o filme insistirá em ressaltar ao longo de seu desdobramento, por meio de contraste com uma outra criação artística integrada ao filme.

Logo, logo, poucos minutos depois de sermos apresentação a esse animal noturno que é a galerista e protagonista aqui – Susan (Amy Adams), com sua vida de aparência, tocando um trabalho em que não mais acredita, e ao lado de um jovem e belo marido (Armie Hammer), charmoso, extremamente bem-sucedido e que a trai com outra mulher em Nova Iorque –, o filme nos introduz a um outro universo.

Ele, este outro universo, é o do último romance escrito pelo ex-marido de Susan, Edward (Jake Gyllenhaal, bem aqui). Na medida em que Susan começa a ler a ‘boneca’ do livro ainda não publicado (e dedicado a ela por Edward), nos, espectadores, visualizamos na tela o drama vivido pelos personagens do thriller criado por Edward.

Numa outra potência de dramaturgia, o que está dentro do livro (e que vemos na tela) é uma história mais dura, suja, e ao mesmo tempo ordinária, de dor e sofrimento. A agonia vivida pelo protagonista do romance – Tony (interpretado também por Gyllenhaal) – é incontornável, e não permite espaço para reflexão. Tal agonia pede ação.

É essa urgência, essa necessidade de ação imediata contra um problema real que toca Susan de maneira tão incisiva.

No caso, Tony viaja de carro com sua esposa (Isla Fischer) e a filha adolescente (Ellie Bamber) por uma deserta estrada no Texas. Num incidente provocado ao ultrapassar outro carro com três homens nele, uma tragédia, com uma narrativa cinematográfica extremamente bem administrada por Tom Ford, ser prenuncia aqui. E se concretiza, tornando Tony em algo que ele nunca pensou ser.

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Com Susan sendo colocada diante de uma circunstância (ainda que ficcional) tão brutal, cuja culpa pela inércia assombra Tony, a protagonista do filme (não do livro) também repensa sua própria inércia, que a levou para um lugar “confortável” na vida, onde ela nunca quis estar. Que a levou a se parecer com aquilo que ela odiava em sua mãe racista, burguesa, preconceituosa, republicana, reacionária.

Em que ponto da vida deixamos que um vazio ocupe um espaço sagrado que qualquer jovem naturalmente traz consigo? E por que deixamos que esse vazio permaneça lá conosco? São sacolejos como estes que jogam Susan contra a parede ao ler o romance de seu primeiro marido, Edward.

Nesse ponto, num movimento simultâneo da trama, Susan desilude-se com seu charmoso segundo marido e repensa o que deu errado com o primeiro. Entramos aí no terceiro ato desse trabalho sofisticado de Tom Ford, adaptado do livro Tony and Susan, escrito por Austin Wright.

E aqui podemos fazer incursões sobre o próprio destino do protagonista do livro, Tony – com suas decisões e consequências -, e sobre o que o destino guardará para a protagonista do filme, Susan.

Entre tantas trilhas dolorosas abertas, Animais noturnos pode ser indicado como um filme sobre ter coragem, ou sobre aguentar suas consequências pela ausência dela, quando decidimos algo sentados em cima do medo. E vem recheado com pitadas de observações ácidas, muito duras (atenção ao final do filme), sobre o que realmente importa num relacionamento em tempos de amores líquidos, como sabiamente cunhou Zygmunt Bauman.

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