Capitão Fantástico
Sobre criar os filhos e ter de vê-los perder a inocência para o mundo.
Por Luiz Joaquim | 22.12.2016 (quinta-feira)
É bem-vinda, e já bastante celebrada, a chegada do ator Matt Ross assinando um roteiro e dirigindo um longa-metragem, no caso este Capitão fantástico (Captain Fantastic, EUA, 2016) que estreia nesta quinta (22) no Brasil.
Na verdade esta não é a sua primeira incursão na dupla autoria de um longa. Em 2012 lançou nos EUA o por aqui obscuro 28 hotel rooms (nunca lançado no Brasil), sobre um pequeno romance de apenas uma noite entre um escritor e uma contadora – ambos comprometidos – ao se conhecerem num hotel.
28 hotel rooms chamou a atenção (mas nem tanto assim) quando exibido no Festival de Sundance. É, entretanto, com este seu segundo trabalho (como ator, já participou em mais de uma dezena de títulos), Capitão fantástico, que Ross chegou a um patamar de maior respeito.
Já respaldado pelo prêmio de direção no Un certain regard em Cannes, o filme também deu o título de melhor ator a Viggo Mortensen no último Indepedente Spirit Awards. Ontem (12), Mortensen ganhou a indicação para concorrer na mesma categoria no 74ª Globo de Ouro, a acontecer dia 8 de janeiro próximo.
O FILME
Capitão fantástico parece acertar, desde já, em seu título. O público incauto – a grande maioria nos multiplex – deverá, ao perceber que esgotou o ingresso de Rogue one: uma história star wars dizer assim: ‘ah, vâmo vê esse aqui? Conhece esse super-herói? ’.
Ok. Talvez alguns destes espectadores não sejam tão desprovidos de informação e saibam que não se trata de nenhuma superaventura pintada por efeitos DCI com bonecos da Marvel ou DC-Comics.
Mas, ainda que os desavisados entrem inocentes numa sessão de Capitão Fantástico, eles não deverão sair arrependidos, assim como aquele espectador mais sofisticado. E é aí que reside o primeiro trunfo nesse trabalho de Ross.
Isso porque o enredo nos oferece realmente um universo fantástico, no sentido de que ele se apresenta como bastante incomum, fora da realidade tradicional, como a concebemos no nosso pretencioso universo urbano-ocidental.
E dentro desse universo quase paralelo onde vivem Ben (Mortensen, ótimo) e seus seis filhos – que variam ali por perto dos cinco aos 17 anos de idade -, Ross nos apresenta seus personagens de forma ao mesmo exótica e simpática.
A própria abertura do filme não deixa espaço para dúvida de que estamos diante de um filme incomum. O plano-sequência inicial coloca o espectador dentro da atmosfera tranquila de uma floresta, no nordeste dos EUA. O som ambiente (e só ele, sem trilha sonora) é o do vento, da água, pássaros… que ficam ali por bem planejados longos segundos. A impressão é que propor tal sensação será a única pretensão de todo o filme.
E é importante que seja assim pois Ben criou toda sua prole exatamente ali. É portanto esperto que Capitão fantástico “choque” o espectador imediatamente na primeira imagem com uma descarga do que podemos chamar de ‘pureza da natureza’.
O que os filhos de Ben – três garotos e três meninas com nomes esquisitos – aprenderam com o pai, aprenderam naquela floresta. Dessa forma, Bo (George MacKay), Kielyr (Samantha Isler), Vespyr (Annalise Basso), Reillian (Nicholas Hamilton), Zaja (Shree Crooks) e Nai (Charlie Shotwell) funcionam muito bem naquele ambiente, sob uma dura educação que prima pelo bem-estar por meio do humanismo, da ética, da arte e do esporte.
É uma espécie de universo paralelo onde a comunhão reina, ainda que de maneira rígida e dura na disciplina imposta por Ben – que poderíamos, malvadamente, reduzir aqui como uma espécie de hippie retardatário que triunfou.
Para aquele espectador incauto que falamos logo acima, a aspereza de Ben deverá provocar o primeiro estranhamento na sequência em que o patriarca comunica a sua prole que a mãe (Trin Miller) deles não mais voltará à comunidade.
É exatamente por esse motivo que o grupo terá de sair de sua bolha na floresta. Bolha onde celebrar o Dia de Chomsky (aqui uma piada para poucos) vale mais que celebrar o Dia do Natal. E, ao sair da bolha, ter de encarar a “civilização”.
Uma vez estabelecido o contraste, temos este que é o grande barato de Capitão fantástico. Ou seja, um contraponto sublinhado em linhas grossas, nos jogando na cara, que os selvagens são, na verdade, os civilizados. Enquanto o inverso é também uma verdade.
As piadas são infinitas nesse sentido do contraste e construídas com um esmero que convence. Isto faz toda diferença, assim como o faz a performance absolutamente afiada de todo o elenco.
Mortensen, em particular, merece um destaque uma vez que ele surge inicialmente no filme como um radiante Ben, dono de seu pedaço e de sua verdade. Mas que vai definhando na sequência (o que transparece fisicamente em seu rosto), na medida em que o ambiente que ele ojeriza – a “civilização” – vai lhe mostrando os limites de sua utopia. E, o mais duro, que seus filhotes precisam aprender, em algum momento, sobre a vida e o mundo por conta própria.
É um belo filme esse Capitão fantástico.
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