Sully: O Herói do Rio Hudson
Não haveria semana mais inadequada para este belo Eastwood estrear no Brasil.
Por Luiz Joaquim | 15.12.2016 (quinta-feira)
A vida (ou será a morte?) prega peças bem malvadas. Um delas é definir que dois dias antes da data de estreia original (01/12) no Brasil do novo Clint Eastwood – o esperado Sully: O herói do Rio Hudson (Sully, EUA, 2016) – este mesmo Pais iria parar para lamentar e se comover com o maior acidente aéreo da história do mundo envolvendo uma equipe esportiva, no caso o time de futebol Chapecoense, do interior de Santa Catarina.
Como já foi bem divulgado, com a queda da aeronave a 30 quilômetros de Medellín (Colômbia), morreram 71 pessoas, incluindo jornalistas e tripulantes. E, durante toda a terça-feira (29/11), entre uma e outra comoção pela perda das vítimas, procurava-se entender o que causou o acidente aéreo.
E os detalhes de um acidento aérea são, exatamente, a matéria prima de Sully. Para quem não recorda. A história adaptada ao cinema pelos roteiristas Todd Komarnicki a partir do livro do real Sully (ou Chesley Sullenberger) detalha a improvável aquaplanagem feita pelo piloto que dá titulo ao filme (vivido por Tom Hanks) sobre um Rio Hudson gélido no 15 de janeiro de 2009, logo depois de decolar do aeroporto de La Guardia, em Nova Iorque.
Sully era o comandante da aeronave da US Airways no vôo 1549 naquele dia. E o que seria mais um dia em sua rotina de 42 anos na profissão, já próximo da aposentar-se, vira de ponta cabeça quando uma revoada de pássaros atinge as turbinas do avião, danificando-as em pleno voo.
Com cerca de 200 segundos – sim, segundos – para decidir o que fazer, Sully decidi realizar algo que nunca foi feito. Pousar na água com um Airbus A320. O evento, conhecido como “O Milagre do Rio Hudson”, ficou assim marcado porque todos os 155 passageiros, mais os tripulantes, saíram salvos do avião.
E o que há de atraente em ver um filme sobre um acidente aéreo do qual já se sabe todos os detalhes e que todos os envolvidos foram salvos.
Aqui vamos a um ponto.
Diz respeito a árdua investigação que a agência de regulação aérea dos Estados Unidos deu partida para descobrir se a decisão de Sully em aquaplanar no Hudson era a mais indicada para a situação ou se ele teria outras opções.
Nesse sentido, O herói do Rio Hudson, o filme, já parte do inteligente princípio de que, sim, o acidente é o grande espetáculo cinematográfico, visual e sonoro por excelência, que fará o coração do espectador pulular de tensão mas, uma vez que o resultado do acidente é de conhecimento público, o filme concentra metade de sua energia nas conseqüências da solitária decisão de Sully.
Tanto que antes mesmo de surgir a primeira imagem na tela, ainda nos iniciais créditos brancos sobre fundo preto da abertura, escutamos o som do acidente em andamento.
No roteiro preciso e na direção segura de Eastwood, situações visuais do acidente vêm à tela por três momentos no filme.
Cada uma nos chega com uma intensidade e característica distinta. A primeira por um olhar de horror, as seguintes com uma perspectiva já mais técnica, uma vez que, entre estes três momentos, O herói do Hudson vai nos alimenta de dados tão específicos sobre a aviação que nos faz, durante a investigação, torcer para Sully mesmo conosco já entendendo que argumentos técnicos poderiam desconstruir seu ato heróico.
Este é um outro mérito aqui. Sintetizar de forma acessível infos de uma especificidade rigorosamente técnica e habitualmente inacessível para a maioria dos mortais sobre aeronaves e seu funcionamento. Aqui elas nos chegam fácil ao entendimento e críveis. E mais, bem mescladas a aspectos do sentimento humano.
Esse ponto, o humano, é o que mais interessa a Eastwood e a esta sua fábula moderna. Tudo resume-se ao conflito entre a fria exatidão da ciência contra a incerteza da intuição humana. Nessa disputa, Eastwood, historicamente em seus filmes, sempre aposta na intuição e o resultado costuma ser comovente (não cafona).
Não poderia ser diferente nessa história que ele, aos 86 anos, nos apresenta e cujo elemento mais incrível é o fato de ser verídica. Com O herói do Hudson, Eastwood também ensina aos antipáticos que não é preciso um final grandiloquente para validar um filme como bom. A grandiloquência pode estar já nos créditos de abertura. Em outras palavras, Eastwood ensina o que alguns já sabem bem. Não é o fim que importa, mas o meio.
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