Adeus ao Moderno
Uma reportagem, declaração de amor, de Fernando Spencer por ocasião do fechamento do Cine Moderno em 1996
Por Luiz Joaquim | 02.01.2017 (segunda-feira)
O CinemaEscrito reproduz reportagem feita por Fernando Spencer (1927-2014) para o caderno VIVER do Diário de Pernambuco, publicada no domingo, 13 de outubro de 1996. No texto, Spencer conta a história de sucesso e importância do Cine Moderno para o Recife. O espaço havia fechado as portas no mês anterior (nov.1996). Na sua escrita, o jornalista resgata informações sobre todos os proprietários do cinema até seu fechamento e destaca os sucessos que o espaço abrigou e apresentou aos recifenses. É possível entrever, por alguns espaços na reportagem, o lamento de Spencer pelo encerramento de mais um templo cinematográfico na sua cidade natal.
Acima, o ainda apenas Teatro Moderno, em foto de 1913.
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Diário de Pernambuco
13 de outubro de 1996 (domingo)
Adeus ao Moderno
Fernando Spencer
O relato é do DIÁRIO DE PERNAMBUCO, testemunha de 170 anos de nossa história política, econômica e social: “Terá logar hoje a inauguração d’esse novo estabelecimento de diversões, realizando-se nelle a estrea da companhia lyrica italiana Rotoli-Billoro. Serão levadas à scenna as duas conhecidas peças ‘Cavalleria Rusticana’, ópera em 1 acto de mascagni e ‘Os Palhaços’ ópera em 2 actos de Leoncavallo. Para a noite de amanhã está anunciada a representação da Tosca. Depois dos espetáculos haverá bonds e trens para todas as linhas”.
A notícia acima se refere à inauguração do Teatro Moderno, em 15 de maio de 1913. A festa é relatada na edição do dia 16, na primeira página do “Diário”.
Jornal de Elegâncias – “O Teatro Moderno funciona funciona, nas soirées, com todas as portas abertas; o espectador não sente calor nem constipa; respira um ar farto e puro”.
Esta outra notícia é do Moderno-Jornal, diário de literatura, elegâncias e variedades, com tiragem de 2 mil exemplares que circulou de 12 de maio de 1918 até 22 de agosto de 1920, editado por Libório & Riedel, proprietário do Teatro e depois do Cinema Moderno. O jornalzinho de quatro páginas era distribuído entre os frequentadores da sala de espetáculos da Praça Joaquim Nabuco.
Cine-teatro – Quando o Moderno surgiu em 1913 e em 1915 como cinema, já existiam no Recife as salas exibidoras inauguradas desde 1909, os cines Pathé, Royal e Vitória, todos na Rua Nova, antiga Barão da Vitória; o Helvética, na rua da Imperatriz e o Ideal , no bairro de São José. Seis cinemas no centro da cidade, testemunhando a importância da sétima arte que era muda com suas imagens ainda tremidas na tela.
Morte – O velho Moderno era uma das janelas da cultura cinematográfica da cidade. Ao encerrar suas atividades no mês passado contava 83 anos, sofreu várias reformas e teve inúmeros donos. O primeiro foi o Coronel Agostinho Bezerra da Silva Cavalcanti. Depois a direção ficou com a firma Libório & Riedel, editora do citado Moderno-Jornal. Nos anos 20, o cinema passava para novos proprietários: Alfredo e Tancredo Bandeira.
Em 1929, quando o Moderno se preparava para inaugura o cinema falado, houve uma briga entres os Bandeiras e o Luiz Severiano, tendo este se afastado para tentar – o que conseguiu – o arrendamento do Teatro do Parque, por um período de 25 anos. Enquanto Ribeiro aguardava a abertura do Parque, o Helvética lançava a 29 de julho de 1929, Ben-Hur, com Ramon Novarro.
O filme falado começou em 1930 no Moderno com Fox Folies de 1929, e o Parque, em 31 de março de 1930, com Broadway Melody, estrelando Charles ing.
Mudanças – Conta-nos Jota Soares: “Com o afastamento de Severiano Ribeiro, o Moderno voltou para as mãos dos irmãos Bandeira, antigos proprietários, mas com pouco tempo entregaram o comando aos srs. Avelino Pereira e Alfredo Medeiros, que a seguir o passaram para a firma Marques, Fernandes & Cia. que iniciou imediata reforma. Em 1933 o Moderno foi reinaugurado com o filme Deliciosa, comédia estrelada por Janet Gaynor, Charles Ferrell e o brasileiro Raul Roulien”.
O Moderno sempre esteve à frente dos bons lançamentos como O Anjo Azul, de Joseph Sterenberg (sic), com Marlene Dietrich estreando com sucesso. Também foi o cinema dos filmes da UFA, desaparecida por ocasião do regime nazista na Alemanha.
Nova fase – Somente no início da década de 40, o Moderno voltou às mãos de Luiz Severiano Ribeiro, com a saída do sócio Roberto Fernandes, remanescente de Marques, Fernandes & Cia.
A penúltima grande reforma do cinema Moderno aconteceu com a inauguração do Cinemascope, em 1955, com o filme O Manto Sagrado. O Cinemascope, adaptável a qualquer sala que possa instalar uma tela duas vezes e meia mais larga do que alta, utiliza apenas projetor equipado com lente especial, a lente anamórfica, inventada em 1925 pelo professor e astrônomo francês Henri Chretien. A partir da invenção, foi adquirida em 1952 pela Fox, que logo a explorou comercialmente. O primeiro filme rodado pelo sistema, em 1953, foi O Manto Sagrado, de Henry Koster, com Victor Mature. Depois seriam exibidos no Moderno, via Cinemascope, grandes produções como O Tirano da Fronteira. O Homem do Oeste. O Mais Longo dos Dias. Sete Noivas para Sete Irmãos e outras megaproduções como Terremoto (1975), a dispersão do som por alto-falantes colocados em pontos estratégicos era impressionante. Tubarão, Inferno na Torre e muitas outras.
O Moderno sempre trabalhou com programação variada. Filmes populares como as comédias de Mazaropi (sic), as horrorosas realizações de Zé do Caixão, aos cerebrais trabalhos de Ingmar Bergman, Fellini, Antonioni, os musicais da Metro como Luzes da Cidade, de Chaplin.
Milhões de espectadores frequentaram o Moderno. Dos meninos aos mais velhos todas atravessara as roletas que deram acesso à sala de projeção do simpático cinema.
No Brasil, já tivemos perto de 3.500 salas como o Moderno, com aproximadamente 350.000.000 de espectadores anualmente. Afirmava Lo Ducca que nenhuma religião jamais alcançou tantos adeptos. Isto porque atrai, quando não fanatiza.
Excelente esse resgate histórico, Luiz. À época da estréia, a matéria diz que havia bondes e trens para todas as linhas, ou seja, havia interesse que a cultura fosse bem disseminada entre os recifenses. Um bela época, sem dúvida… Abraço.
Sim… tanta coisa diferente, então.