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CinemaEscrito #1: Reflexo que faz tremer

Coluna “Cinema Escrito” #1: Quando um filme funciona como um espelho, o resultado é impiedoso.

Por Luiz Joaquim | 05.01.2017 (quinta-feira)

Antes do site CinemaEscrito.com vir ao mundo em maio de 2007, sua identidade existiu por brevíssimas cinco semanas em 2004.

No início daquele ano, o JC Online, do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (Recife), nos convidou para assinar uma semanal coluna online sobre cinema, na qual teríamos liberdade para definir seu perfil e também batizá-la.

Assim nasceu a coluna ‘Cinema Escrito’, cuja primeira publicação aconteceu em 20 de fevereiro de 2004. Naquele momento, decidimos montar a coluna abrindo com um texto reflexivo sobre aspectos comportamentais, estéticos, técnicos ou do mercado cinematográfico. Atrelado a este texto, algumas notas rápidas e pontuais sobre tópicos circunstancial do cinema no mundo.

A partir de hoje (05-jan.-2017) iremos publicar semanalmente, a cada quinta-feira, os cinco textos criados naquele momento.

Todos eles voltam-se para aspectos atemporais dessa arte, podendo oferecer a mesma força de reflexão que ofereceu há 13 anos.

Semana 1 – 20 de fevereiro de 2004

– Reflexo que faz tremer

É apenas acariciado pela autoridade em ser humano (e não pela suposta especialização como observador cinematográfico) que elejo o tema de estreia do ‘Cinema Escrito’. Cheio de audácia, quero tentar dar aqui uma tradução, entre tantas possíveis, para algo que nos embevece ao longo dos anos e, tenho certeza, nunca nos trairá. Trata-se da sobre-excitação do espírito aos quais alguns filmes nos elevam. Creio não haver quem passe incólume por certas sessões de cinema. Haverá sempre um (ou mais de um) trabalho visto numa sala de projeção que certamente nos deixará mudo ao final da última imagem exibida. Que, ao fim do último crédito rolado, nos deixará prostrado na poltrona como quem não quer ou não pode (pois parece faltar força física) voltar ao mundo real.

E, talvez, não queiramos sair do cinema não apenas porque, ao fim do filme, nos volta à consciência a ideia da vida dorida lá fora ou, no sentido inverso, da vida efusiva demais. Permanecemos na sala não porque lembramos da realidade. A incapacidade em levantar-se da poltrona, ao meu ver, está mais atrelada a suspensão da nossa consciência sobre o que está lá fora. Suspensão da consciência para além daquilo recém colocado diante de nossos olhos no último par de horas. Esse transe provocado por certos filmes funciona como uma lavagem de efeito moral e purificador sobre o espírito humano. É como se uma verdade particular nos fosse revelada. E o que há de mais atordoante que descobrir uma verdade sobre você mesmo? Quando um filme funciona como um espelho o resultado é fatal.

A questão aqui é: como um ‘simples’ filme pode provocar tal efeito. Para começo de conversa, nenhum filme é simples. Se lembrarmos que no cinema estamos usufruindo um poder de visão superior às nossas possibilidades normais de observação, vamos lembrar que, por trás do filme existem agentes poderosos. Estamos num tempo e num espaço novo, que não são o tempo e o espaço reais, e sim cinematográficos. Tempo e espaço impregnados com um turbilhão de informações visuais, sonoras, narrativas, estruturais e estéticas numa ordenação de lógica própria que vão nos colocar em outra dimensão de significados. E eu diria que se enxergar sob um ângulo novo sobreleva a consciência.

Mas o que gera essa catarse que nos fulmina vez por outra num cinema? Acredito que há uma camada de informação que é intangível de tradução em alguns filmes. Isto é, uma informação que nos atinge sob um propósito que não conseguimos decifrar, apesar de nosso estado trêmulo comprovar que ela nos alcançou. Diria que essa informação (ou mensagem, recado, como queiram) é intraduzível até mesmo pelo seu diretor. Afinal, estamos cansados de ouvir cineastas dizendo que depois de pronto, o ‘filho’ tem personalidade própria e influencia o público coletiva e individualmente. Tem o poder, enfim, de uma arte. De nos transportar para outro plano.

É sempre difícil falar do imponderável, do imensurável, metafísico. Poderia citar alguns filmes que me deixaram mudo e de perna bamba ao fim da projeção, mas, talvez, de nada servisse como referência para você, leitor. Entretanto, se quiser uma ilustração com imagem e movimento do que escrevo aqui, veja a abertura de Sonhos de um sedutor (Play It Again, Sam, 1972), de Herbert Ross, com Woody Allen em estado de graça acompanhado o final de Casablanca (idem, 1943) numa sessão de cinema. E não fique apenas na abertura, veja o filme inteiro. E, ainda, se tiver fôlego, assista (reveja) Casablanca também. Enfim, veja muito filme (no cinema, principalmente) e sobreleve a alma.

 

RÁPIDAS

Tarantino

Quentin Tarantino será o presidente do júri na próxima, a 57ª, edição do Festival de Cannes, que acontece entre 12 e 23 de maio. Tarantino tem um apego especial com o festival francês, pois foi lá que Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, de 1992), despertou a atenção da mídia mundial.Além disso, no mesmo balneário francês, ele ganhou a Palma de Ouro por Pulp Fiction – Tempo de Violência (de 1994) e consolidou-se como um dos mais respeitados diretores em atividade.

Na captura do Friedman

Dois homens que estavam entre as treze pessoas que acusaram Jesse Friedman de tê-los molestado sexualmente quando garotos escreveram uma carta aberta para os votantes da Academia de Artes Cinematográficas pedindo para não eleger o documentário ‘Na Captura dos Friedmans’ (Capturing the Friedmans, 2003) de Andrew Jarecki. “Se esse filme ganha um Oscar, estará ganhando ás custas do silencio de crianças sexualmente abusadas”. Jarecki, que pessoalmente financiou o filme, ganhou vários prêmios, incluindo o do Sundance Film Festival em 2003. Críticos do filme e um psicólogo infantil afirmaram que o documentário mostra Jesse Friedman, hoje com 34 anos, e seu pai, morto em 1995, de forma equivocada, como se tivessem sido conduzidos por autoridades. Jarecki nega que ‘Na Captura dos Friedmans’ seja um “filme de advocacia”.

Belleville

A animação As Bicicletas de Belleville (The Triplets of Belleville, França, 2003) foi intitulado como o melhor filme francês no Lumières Awards, em Paris, na última terça-feira (17-02-04). Os vencedores do Lumières Awards são selecionados por 200 críticos estrangeiros (radicados em Paris). Na festa do Oscar 2004, dia 29 de fevereiro, o filme está competindo em duas categorias: melhor longa de animação e melhor canção original.

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