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Entrevistas

Geraldo Pinho (Cineteatro do Parque, 1998)

Geraldo Pinho: “É difícil programar filmes. Não existe um livro que lhe ensine isso”.

Por Luiz Joaquim | 03.01.2017 (terça-feira)

No ano de 1998, em seu segundo semestre, ainda como estudante de jornalismo, procuramos o então programador do Cineteatro do Parque (que funcionou na Rua do Hospício, Recife, até 2010), Geraldo Pinho. Queríamos que ele concedesse uma entrevista para contemplar um exercício do curso de comunicação social.

Generoso, Pinho conversou por horas dando atenção como quem estivesse recebendo um profissional da imprensa, quando falou sobre o amor, a beleza e as dificuldades de seu ofício. Um trabalho que já era reconhecido em todo o País a frente da sala administrada pelo município do Recife.

Nesta entrevista inédita, que nunca foi publicada em nenhum veículo, Pinho nos revelou métodos, segredos e exemplos. De tão lúcido e sagaz, seu depoimento aqui sobre a arte de programar uma sala de cinema pode ser lido como se estivesse sendo dito hoje (janeiro 2017).

Acompanhe abaixo:

Entrevista: Geraldo Pinho – Cineteatro do Parque (segundo semestre de 1998)

O que determina a seleção e o tempo de permanência em cartaz de um filme na região?

Uma série de valores determina se o filme vai ser ou não exibido aqui, no caso do Cinema do Parque. Sou eu quem faz a programação e eu conheço qual o alcance de público que determinados filmes podem atingir. Por exemplo, o pessoal gosta muito de filme de época. Eles trazem muita informação, como foi o caso de Amistad. Na maioria dos cinemas da cidade, este filme não funcionou. Já aqui no Parque o resultado casou surpresa até na própria distribuidora, a UIP. Quanto ao filme, existem ressalvas quanto ao público cinematográfico, mas ele traz uma série de informações que o público do parque gosta. Nós procuramos fazer uma seleção de gêneros variados, e procurar trazer o que há de melhor nesses gêneros. Tem aqueles que gostam de filmes experimentais, e a gente tem interesse em atender essas pessoas também. Enfim, a gente pinça o que acha melhor para os frequentadores do Parque.

A questão comercial no Cineteatro do Parque é preponderante?

Não. De forma nenhuma. A questão comercial não é levada em consideração. Essa situação é favorável por que o Parque se dá ao luxo de escolher que filme quer passar. Ninguém determina que um filme deve ser exibido aqui, ou que, para exibir um filme bom a gente precise exibir primeiro um ruim do mesmo “pacote”. O que determinar a permanência de um filme em cartaz é, justamente, o público. Todo cinema trabalha com uma média de público. Nós temos uma média de 2.500 pessoas por semana. Quando você percebe que um filme tem potencial e que embora na semana seguinte caia um pouco mas consiga trazer um número parecido de pessoas, então esse filme permanece em cartaz. No nosso caso, Central do Brasil já ficou seis semanas em cartaz e ele tem um atrativo que mantém um público, semanalmente, em volta de 2.000 e 4.000 pessoas, dentro da média do cinema, e por isso que ficou tanto tempo cartaz. É assim que funciona.

A opinião pública influencia na escolha de que filme você vai exibir ou não?

Não. Acontece, às vezes, o contrário. Só depois que o filme está sendo exibido aqui no Parque é que a opinião das pessoas que assistiram é que influi e gente sente que pode permanecer mais uma semana. É difícil programar filmes. Não existe um livro que lhe ensine isso. Você encontra livro sobre direção, tecnologia de cinema, mas escalar filmes, você só adquire do conhecimento de outras pessoas. Eu faço da seguinte forma: quando me sinto atraído, através da mídia, pra ver um filme, eu vou assistir. Se ele vai ser exibido no Parque ou não, aí entra uma percepção minha quando eu o imagino aqui. E depende também da disponibilidade da cópia. Filme é uma questão de mercado. Não é você querer, é o filme estar disponível para que você exiba ele em determinado cinema.

Quais as estratégias utilizadas para você fazer a programação do Parque?

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Geraldo Pinho em foto de Victor Jucá, 2014

Primeiro é assistir o máximo de filmes que está a sua disposição no mercado. As vezes não posso ver todos, 90% sim; mas aí recorro a algumas fontes, e as críticas ajudam também. Depois, previamente, escolho quatro para o mês que se aproxima. Feito isso, vou pensar como dispô-los, se começo com um filme mais ágil ou mais lento. Faço uma programação para atingir uma quantidade mais variada possível de público. O público não é uma coisa monolítica. Você não pode dizer “lá vem o público do Parque” – de repente pode ate se tornar uma troça de carnaval (risos) – mas não é isso, a composição de cada dia é diferente. De cada semana é diferente. Eles se arrumam diferente. Eles veem de outra forma. Já que é um cinema no centro da cidade do Recife, procuro atender ao máximo o público do centro da cidade. E eu os conheço. Tem gente que adora filmes românticos, outros detestam. Tem quem goste mais de ação. Então procuro dosar esses gostos para atrair todos dentro de um mês.

A estratégia então é pluralizar a programação com filme distintos?

Justamente, por entender que não existe “o público do Parque”. Muita gente diz que existe “o público do Parque”. Não é isso. Eles não vêm toda semana como um bando de cordeirinhos. Eu procuro proporcionar o máximo de interesse possível sobre a arte cinematográfica. É assim que eu faço.

Há quanto tempo você está a frente do Parque?

Desde 1993. Há cinco anos.

Nesse período, quais os filmes que mais lotaram a casa?

Philadelfia foi o primeiro grande sucesso de público. Nos pegou até desprevenido, não sabíamos lidar, ainda, com tanta gente. Teve também O Maskara, que lotou todas as sessões. O que é isso companheiro? foi outro filme. A lista de Schindler trouxe muita gente. Amistad trouxe muito público. O baile perfumado, evidentemente. Carlota Joaquina. E o maior de todos, em termos de público, até hoje, foi Central do Brasil. Bateu todos os recordes de público do Cinema do Parque.

Cada um desses filmes tem uma proposta bem diferente e todos deram casa cheia. Por que isso acontece?

Olha, isso não é uma coisa muito fácil de explicar. Você nota um interesse nas pessoas, que eu não sei se é um efeito da mídia, que é o seguinte: elas querem ver ‘aquele’ filme de qualquer maneira. Não sei porque motivo… alguém comentou, ou viu na televisão, ou muito ‘bombardeio’… o que quero dizer é o seguinte: quem leva o público para o cinema é o filme. Não adianta preço baixo, boa localização. Um exemplo é o Cine São Luiz. É um cinema que permanece no centro da cidade, com problemas de segurança, estacionamento, enfim, com todos os problemas que se ‘jogam’ para o centro da cidade. E ele vinha com uma situação terrível, com público de 2.000 pessoas por semana (*). E com Titanic, no mesmo cinema, no mesmo local, pulou para 20.000 pessoas por semanalmente. Então, se o filme motiva a pessoa, ela vem ao cinema. Eu, por exemplo, no último Festival de Cinema Nacional do Recife (**), o filme que mais queria ver era Central do Brasil, e cheguei às 19h, embora o filme estivesse programado para 21h30. Esse desejo que me motivou é o mesmo que acontece nos outros. Só não sei exatamente o que provoca, talvez a mídia, o interesse pela história, os prêmios, a divulgação, os atores, o diretor.

(*) Nota do editor do CinemaEscrito: na época o cinema São Luiz executava quatro sessões diárias, de segunda a domingo, enquanto que o Cineteatro do Parque promovia três sessões, de segunda a quarta-feira, apenas.

(**) atual Cine-PE

De tempos em tempos as filas se aglomeram na frente de determinadas salas de exibição por causa de um dado filme. Conforme a sua experiência com o cinema, há como identificar alguma motivação ou característica comum em todas essas pessoas (que abrange do mas desinformado até o crítico especializado)?

Acho que a coisa mais importante do cinema, e que se mantém, é que é uma tradição entre as pessoas que vão ao cinema, é o boca-a-boca. Eu acho que isso funciona mais do que a própria mídia [corporativa]. A mídia funciona mais como manutenção. Eu acredito que o boca-a-boca atinge as pessoas que a mídia não consegue atingir. É o caso de Titanic, que alcançou camadas da população que nunca tinha ido ao cinema. Embora essas pessoas assistam televisão, nunca foram ao cinema. O filme vai trazendo pessoas estranhas através do boca-a-boca, que é fundamental. O Cinema do Parque está trazendo agora muitos estudantes, essas pessoas vêm assistir um filme com uma turma, e votam no outro dia para rever o filme sozinhos. E isso, de voltar, foi uma referência que ele teve com os amigos. O boca-a-boca é primordial por que alcança as pessoas de uma maneira incrível. Por exemplo, Central do Brasil, eu tive caravanas do município de Escada, do Cabo [de Santo Agostinho] e de Vitória de Santo Antão. Lugares que fazemos a manutenção pela TV Globo e Cultural, mas eles vêm graças ao boca-a-boca.

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Cineteatro do Parque (Recife), anos 1970

E o Titanic que atraiu do mais exigente cinéfilo ao mais desinformado. Tem alguma coisa comum entre esses dois?

As pessoas encontraram uma história compreensível e tem certas armadilhas dentro do filme, certas mecânicas que o fazem de fácil entendimento. Acho que o espectador médio quer um filme que entenda, que se sinta bem, que jogue as emoções para fora, que ria, que sonhe, que chore. Se fosse um filme difícil, que eles não pudessem discutir, penso que não teria tanto público. É difícil de analisar. Eu parto das observações que faço do público do Parque. Aqui, na primeira sessão, frequentam uma faixa etária, na Segunda, outra, e assim por diante. Todos eles buscam um mesmo tipo de informação. Como eles entendem essa informação, como eles decodificam, eu percebo porque não discuto com eles. Eu sou “cinemeiro” e tenho uma necessidade de assistir filmes. O crítico talvez vá por uma obrigação. Eu nunca vejo os filmes com meus olhos e conhecimentos. Procuro assimilá-los da maneira mais simples. Se precisar entender uma coisa que passou desapercebida, volto e assisto outra sessão. Procuro no cinema, basicamente, filmes que proporcione emoções.

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Panfleto de inauguração do ‘Theatro do Parque’ (Recife), em 1915

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