Que será da crítica na era do ‘Rotten Tomatoes’?
O que pensam críticos consagrados, cineastas e produtores sobre a importância da crítica de cinema hoje?
Por Luiz Joaquim | 09.01.2017 (segunda-feira)
Tradução livre do texto de Barry Avrich(*) para o jornal impresso canadense ‘The Globe and Mail‘ publicado no dia 11 de setembro de 2014, Toronto, Canadá.
Para onde vai a crítica cinematográfica na era do ‘Rotten Tomatoes’
Há, talvez, uma ironia em escolher a mídia impressa para explorar a crítica da crítica de cinema e ascensão dos críticos de cinema cibernéticos, blogueiros de poltrona e ‘tuiteiros’ que podem estar conduzindo-os à sua própria morte. E ainda que esse tema não seja mais novidade, a emoção e paixão pelo tema nunca esteve tão aquecido o quanto esteve logo após a sessão – de bilheteria esgotada – em Cannes do filme Life itself, o documentário sobre Roger Ebert no qual trabalhei.
Informação sem segredos: Sim, tive minha cota de resenhas negativas dadas por críticos de cinema, e sim, muitas vezes eu me acalmava com as palavras ditas a mim pela atriz Tyne Daley num voo para Los Angeles: “Barry, um crítico de cinema é alguém que nunca vai ao campo de batalha, mas que depois sai atirando nos feridos”. Ou o meu preferido, do comediante David Steinberg: “Os críticos são como pianistas no meio de um tiroteio”.
Mas, estaria mentindo como realizador se negasse o poder, a arte e a emoção dada por uma crítica cinematográfica e o que antecede abrir o jornal no dia seguinte para ver se eu vou precisar de uma moldura para aquela crítica ou se vou usá-la para embrulhar peixe.
Em Cannes, após a projeção, nos reunimos para brindar a Roger e conversamos sobre a existência de um público para sofisticadas críticas de filmes, e se resenhas críticas ainda têm o poder de influenciar bilheterias ou a carreira de um artista como fazia na época de ouro de seus melhores autores, como Pauline Kael (The New Yorker), Andrew Sarris (Village Voice), André Bazin (Cahiers du Cinéma) and Stanley Kauffmann (The New Republic). Foi Kael quem escreveu: “O crítico é a única fonte independente de informação. O resto é propaganda”.
No documentário de Ebert, o crítico da revista Time, Richard Corliss, é forçado a pedir desculpas para Ebert por tê-lo atacado num artigo em 1990 para a revista Film Comment. Conduzido, possivelmente, por um arroubo de arrogância Corliss taxou Ebert de “evangélico de televisão” e de trash food deglutindo argumentos que antes eram “frases bem articuladas e agora foram substituídas por um bando de polegares”. Ebert respondeu de forma apaixonada: “Eu sou a ponte entre o público e os filmes estrangeiros, filmes independentes e documentários”. Ebert atribuiu a decadência da crítica cinematográfica às campanhas de marketing dirigidas a um “público obcecado por estrelas com coreografias, colocando estrelas na capa da Vanity Fair e agendando aparições robóticas numa penca de talk-shows”.
Quase 25 anos após o caso com Corliss, quando retomei o assunto com alguns profissionais e pessoas influentes, a resposta foi aquecida de forma entusiasmada.
O cineasta Atom Egoyan, recém-chegado de Cannes, argumentou que críticos ainda possuem um enorme impacto na criação de uma consciência sobre o trabalho de novos realizadores ou para os trabalhos independentes, mas “uma nova geração de cinéfilos está menos interessada em seguir um crítico guru e estão procurando escalas de pontuações conjuntas na Internet… Há um volume grande de críticos de cinema é difícil discernir entre quem seguir como seguíamos Sarris ou Vincent Canby [do The New York Times].
“Lembro de quando saíamos do cinema e líamos a crítica exposta no lobby nos dizendo o porquê de você ter amado o filme”, diz Michal Baker, co-fundador da Sony Classics, uma das mais bem-sucedidas distribuidoras de filmes independentes.
Robert Verini, um colaborador regular da revista Variaty, destaca que: “leitores esperam que os críticos sejam consistentes e que também deem opiniões honestas, e não apenas aquelas para impressionar outros críticos”.
No que diz respeito a influência dos críticos sobre os filmes independentes, Verini diz que eles têm “muito menos poder de moldar o destino de produtos hollywoodianos”. Ele refere-se ao poder da mídia social – particularmente sobre os pequenos grupos de amigos que “podem determinar em grande escala que grande produção de um grande estúdio, ou que comédia, vai ‘bombar’ ou falhar”. E ele lembra das pontuações reunidas do Rotten Tomatoes: “Se todos os críticos estão alinhados contra um filme, o que há de atraente nesse filme será reduzido e o filme provavelmente não terá frequência, e palavras poderosas de algum indivíduo terão pequeno ou nenhum impacto”.
O chefão do Hod Doc, Chris McDonald, é ainda mais desencorajador: “A torre de marfim da crítica cinematográfica sofreu infiltrações de água suja. Estamos numa era em que o público médio está mais interessado no Rotten Tomatoes que no The New York Times”.
Michael Baker argumenta, entretanto, que “com 25 filmes estreando toda sexta-feira, o público precisa de uma orientação, especialmente no caso de filmes independentes. São muitas opções”. Ele acrescente que “há ainda valor nos comentários reflexivos, e em sua maioria você ainda provavelmente encontra no formato impresso. No entanto, temos cada vez menos tempo para eles”.
“Olímpicos’ já não funcionam mais tão bem”, ironiza David Margolick, da revista Vanity Fair. “Nós somos mais esquemáticos: A. O. Scott, crítico de cinema sênior do The New York Times, é muito menos influente que Vincent Canby, assim como Thomas Friedman nunca terá a influência de um Walter Lippmann ou James Reston”. Ele avisa que críticos precisam ser corajosos: “Eles têm medo de ofender editores ou amigos ou os magnatas da indústria cinematográfica, não é?”.
Lacey concorda: “Acho que os críticos dos jornais, eu incluso, ainda aspiramos a uma espécie de condescendência irritante e irônica que teve um apelo anti-establishment mas hoje isso parece algo trivial…”. E acrescenta: “Se você escreve alguma frase que pode ser usada entre aspas para impulsionar um produtor de um estúdio, então você já perdeu sua alma”.
A. O. Scott, do The New York Times, diz: “Não estou convencido de que críticos de cinema tenha tido alguma vez muito poder sobre o destino comercial imediato de um filme, e muito dos frequentadores de cinema sempre foram muito orgulhosos em ignorar o que críticos escrevem”. Scott é um apaixonado por inimigos do impresso, como era Ebert há alguns anos atrás: “Acho que anunciantes, editores e aqueles que não enxergam muito propósito na avaliação independente de um filme, além de outras formas artísticas, usam isso como um pretexto para abandoná-los”.
Lacey complementa: “Os dólares dos anúncios encolheram e editores de notícias sentem-se mais confortáveis com relatórios numéricos e objetivos na manhã da segunda-feira informando os resultados das bilheterias do que resenhas subjetivas”.
Quando falei o tema de um dos meus documentários ao produtor Harvey Weinstein, esse homem que facilmente apropriou-se do poder de críticas para criar campanhas icônicas, ele tomou outra posição: “Não há dúvida que na era da mídia social, qualquer um e todos podem ser críticos de cinema ou algo que o valha. Entretanto, acho que as críticas do tipo ‘faça você mesmo’ são eficazes apenas na base da quantidade, não qualidade. É por essa opinião singular e poderosa que pertence o conhecimento e a confiança cinéfila”, diz.
E Weinstein tem um alerta aos críticos: “Não é suficiente apenas ver filmes, críticos precisam abraçar a era digital”.
Richard Crouse, um crítico que usa possivelmente todas as mídias para divulgar uma crítica cinematográfica, da televisão, passando pelo impresso e o rádio online, concorda. “Mini-críticas são comumente postadas no Twitter antes dos créditos dos filmes parem de rolar na tela do cinema, e como prova de uma grande crítica estes comentários geram o envolvimento do público de filmes como Transformers: A era da extinção.
Portanto, está a crítica cinematográfica na verdade num beco sem saída ou apenas mudou para outra mídia? “A crítica como uma profissão está com um problema, mas a crítica como uma atividade é uma parte intrínseca e essencial da vida de qualquer forma de arte”, diz Scott, e continua, “Por menor que seja o número de interessados em crítica – como algo para ler como se estivesse se envolvendo cada vez mais numa conversa – a influência e a variedade da crítica nunca foram tão grandes como hoje”.
Roger Ebert deu a última palavra antes de morrer: “Aqueles que ainda se importam com a crítica cinematográfica sempre irão ler críticas cinematográficas”. Vida longa aos críticos.
(*) Barry Avrich é canadense, diretor, produtor, roteirista e executivo de marketing. Entre seus filmes figuram “The Last Mogul” e o não autorizado “The Harvey Weinstein Project”.
Para ler o texto na versão original, clique aqui.
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