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Críticas

T2 Trainspotting

Turistando na própria juventude

Por Luiz Joaquim | 25.03.2017 (sábado)

Em T2 Trainspotting (GB, 2017) – em cartaz no Brasil desde quinta-feira (23) – entre todas as 15 músicas que formam a trilha sonora da continuação dirigida por Danny Boyle aquela que marca sua presença em mais de uma sequência na história é Slow slippy, da dupla inglesa Underworld.

Slows slippy é nada mais do que o trecho final da alucinada Born slippy retrabalhada e tocada em rotação talvez 40% mais lenta que a original. Born slippy é uma música da mesma dupla, que a tornou conhecida no mundo – tendo também virado o símbolo sonoro do primeiro filme, em 1996 -, quando passou a ser tocada em todas as festas não-caretas desse planeta.

É simbólica essa rotação de Slow slippy.

 

Em T2 Trainspotting, diretor, roteirista (John Hodge), os atores e os personagens – e alguns espectadores – estão 20 anos mais velhos. E T2 Trainspotting reflete isso em vários aspectos.

Para além do mais obvio reflexo, ou seja, a aparência dos atores, há o próprio ritmo do novo filme. Em alguns momentos mais marcantes que outros, Boyle e Hodge tentam imprimir em T2 a mesma dinâmica narrativa que tornou o filme anterior num marco no cinema quando o assunto era ‘juventude’.

E ali, há 21 anos, o filme 1 deixava para trás o que entediamos, pela ótica do cinema, sobre a tal da ‘juventude’. Com o filme de 1996, Trainspotting (que pode significar ‘viajar’, no sentido metafórico, claro), Boyle e sua turma traduziram na forma mais próxima do que acontecia naquele momento – em ritmo visual, em estímulo sonoro e em relações humanas – como era a face da rebeldia naqueles com seus vinte e poucos anos. E isso fez o próprio cinema repensar suas representações sobre o jovem de então. (Leia mais abaixo texto vinculado sobre a produção do filme 1).

Mas qual o peso de uma sequência hoje? O que significa T2 em 2017? A idade do espectador pode ser determinante aqui. Mas, ainda sim, é pouco o tal retorno que chega ao espectador.

Doyle e Hodge criaram uma estrutura para continuar a história original (adaptada do livro de Irvine Welsh) básica em que atualiza rapidamente o espectador – antes mesmo de aparecer o crédito de abertura – sobre o que as duas últimas décadas fizeram com os nossos amigos, o protagonista Renton (Ewan McGregor) que retorna a Edimburg; o bobo gentil Spud (Ewen Bremmer) ainda um viciado e separado da esposa e filho; o negociante e vaidoso Simon Sick Boy (Jonny Lee Miller) vivendo de chantagens sexuais; e o viciado em violência Franco Begbe (Robert Carlyle), vivendo num presídio há 20 anos.

 

Há ainda espaço para o antigo affair proibido de Renton no filme 1, a ninfeta Diane (Kelly Macdonald), agora uma advogada; e o único rosto jovem aqui é o da bela búlgara Veronika (Anjela Nedyalkova), que entra como um catalisador entre os velhos amigos, aqui de novo reunidos mas motivados no roteiro pelo ódio a Renton.

E aqui está o mais fraco ponto de T2. Ao contrario de seu antecessor, ele não representa o tempo contemporâneo tendo como ponto partida o modo como vivem seus personagens em suas respectivas ideias sobre a existência. Apenas reúne os velhos amigos para guiá-los em um único objeto: vingar a traição feita por Renton ao fugir em 1996 quando levou as 16 mil Libras dos amigos.

A tentativa de narrar de maneira fragmentada esse reencontro tenso, no decorrer de T2, também soa muitas vezes como um reverência a si próprio por meios de estratégias que faziam do filme 1 moderno à época (congelar a imagens numa cena de briga, por exemplo) e, desta forma, não surge como algo determinante para a narrativa.

Talvez o grande momento neste filme 2 é, afinal, a atualização do discurso feito por Renton na abertura do filme 1 quando ele conclui a fala determinando: “Escolha a vida”.

Muito da idiotice contra a vida quadrada que o jovem e descolado Renton fulminava em 1996 numa fala em off, agora em 2017 ele mira em algumas hipocrisias próprias da vida virtual, em rede sociais e afins. Ficou bonito.

De resto, T2 é bastante nostálgico, como se Renton fosse aqui um turista que visita sua própria juventude, como lhe acusa Simon Sick Boy. Renton está em passeio por uma Edimburgo 20 anos mais moderna e recheada de estrangeiros. E não sabe muito bem como interagir com isso.

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Cena de “Trainspotting”, 1996

De qualquer forma, o status de desorientação dos quatro jovens senhores presentes em T2 Trainspotting – Renton tem 46 anos de idade –, pode ser captado no mesmo grau de melancolia pelos espectadores da mesma faixa etária. Principalmente aqueles que não foram bem sucedidos na vida nas últimas duas décadas, e ao olhar para trás recordam que 20 anos passaram realmente rápido.

Está aí um trunfo desta continuação tardia, mas apenas àquela plateia contemporânea, que viu Trainspotting nos cinemas enquanto viviam os 1990 como a mesma decisão por “escolher a vida”, aos 20 e poucos anos, que pareciam eternos, de idade.

REDESENHO DA JUVENTUDE – Em 1996, Trainspotting exibiu no Festival de Cannes fora de competição, mas tornou-se a obra mais comentada daquela edição. Imediatamente o filme de Boyle ganhou o mundo, principalmente os EUA, catapultando sua carreira além da de Ewan MacGregor (alem do duo eletrônico Underworld).

Feito em 35 dias, e passando por 50 locações em Edimburgo, o filme foi feito com apenas 2,3 milhões de dólares (T2 custou US$ 18 milhões) e foi um verdadeiro exercício de disciplina para a equipe, em particular Boyle que acompanhou a finalização do roteiro, escolheu as locações, escalava o elenco, pensava no material de cena e supervisionava a montagem. Já o elenco, precisou emagrecer para encarnar os junkies escoceses.

 

Na revista SET, edição de agosto de 1996, mês que o filme estreou no Brasil, o jornalista José Emilio Rondeau conta que na entrevista que fez com Boyle um dia apos a exibição do filme em Cannes, o cineasta ainda trazia o rosto inchado do porre que tinha tomado na festa da noite anterior, após a exibição.

“Disseram que tirei foto com Mick Jagger, mas não lembro nada disso. Acho que tenho de acreditar no que me contam”, teria contado Boyle sobre a tal homérica festa, na qual também constava com a presença do pessoal do Oasis, Blur, Pulp e Elástica, todos na trilha sonora do filme 1. Deve ter sido divertido.

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