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Críticas

Corra!

Fazendo do racismo um jogo, para não deixar dúvida de quem é a vítima na vida real.

Por Luiz Joaquim | 21.05.2017 (domingo)

É sempre interessante observar os frutos cinematográficos gerados pela realidade social na qual ele foi criado. E, de um modo generalizado, podemos dizer que todo filme é um fruto de seu tempo. Acontece que, mais em algumas obras, menos em outras, os aspectos deste tempo saltam fortemente aos olhos e à mente. A este propósito lembramos que temos no Brasil, finalmente em cartaz, Corra! (Get out!, EUA, 2017), um filme – dirigido por Jordan Peele – que nos incita contra a estrutura racista e de exploração contra os negros que ainda nos cerca.

É o primeiro filme dirigido por Peele (mais conhecido como ator) e que já chegou criando um rebuliço quando lançado há três meses nos EUA, após ter causado igual furor ao nascer para o mundo no mais recente Sundance Film Festival, em janeiro.

Corra! é um thriller, e muito bem dosado em sua carga de sugestão de empatia ao espectador para com o seu protagonista, no caso, o fotógrafo Chris (Daniel Kaluuya, de Sicário e do episódio 15 milhões de méritos, da série Black mirror). É também competente na sustentação da tensão, que nos suga com facilidade para uma situação limite. Lugar para onde todo thriller deve nos levar.

O mais incrível entretanto, e que deve nos chocar em Corra!, é o fato de estarmos em 2017 vendo uma criação artística que propõe uma situação absurda e extrema para ressaltar aquilo que já deveria ter sido dissolvido por uma sociedade madura. O racismo.

A propósito, o cinema, em sua transformadora capacidade de comover, já nos deu inúmeros exemplos contra este preconceito e, no caso de Corra!, ele possui um irmão mais velho (50 anos mais velho!), competente ao extremo, chamado Adivinhe quem vem para jantar (EUA, 1967). O filme de Stanley Kramer foi estrelado Sidney Poitier e oscarizado pelo seu roteiro e pela atriz principal, Katharine Hepburn.

Ambos filmes partem de um mesmo ponto dramático para tensionar um mesmo ponto crítico. Uma jovem irá apresentar a seus pais o noivo negro, e o conflito estabelece-se em função do racismo. Pelo filme de Kramer, a investida é para desqualificar o jovem vivido por Poitier. No de Peele, Chris é imediatamente aceito pelos pais da namorada Rose (Alisson Williams, da série Girls), mas dentro de um cenário falso, de aparência, e de horror exatamente por ser falso. Com os negros, exceto Chris, comportando-se como zumbis obedientes. Escravos, enfim.

 

Do ponto de vista de sua elaboração, a trama não chega a causar surpresas. Os elementos que elucidam a charada estão lá fáceis para montar o quebra-cabeça. Senão, vejamos: temos empregados negros que agem de maneira estranha e quase felizes por serem tratados como escravos. São funcionários de uma branca família rica, numa mansão isolada, cuja matriarca (Catherine Keener) promove sessões terapêuticas pela hipnose.

Mas não é pela sua capacidade em entreter pelo medo (e pelo humor) que Corra! ganha seu maior crédito, e sim pela forma como montou esse universo paralelo para ilustrar uma triste realidade ainda tão comum 50 anos depois de Adivinhe quem vem para jantar.

Corra! também proporciona, ainda que pela violência, a remissão do branco preconceituoso contra o negro uma vez que, pela sedução de seu enredo e de sua estrutura narrativa, faz o espectador – seja branco ou negro – torcer por Chris, o protagonista vítima de uma ensandecida e cruel família branca.

Esse é o elogio que Jordan Peele merece com seu Corra! em primeiríssima instância. O fato de ter criado um jogo de cena em que torna evidente para quem devemos torcer. Uma torcida não por questões socioculturais, mas pelo simples fato de que a vítima está em uma situação evidente, inequívoca, entre a vida e morte de sua personalidade para servir ao opressor. Com o “detalhe” de que neste jogo a vítima é um negro, e seu opressor são os brancos.

E este não o jogo da vida real?

Veja Corra!. Divirta-se. Sofra. Pense.

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